Olá, pensadores!
Cerca de um milhão e trezentos mil paulistas escolheram, no primeiro turno das eleições 2010, Francisco Everardo Oliveira Silva (PR), o palhaço Tiririca, para ocupar uma, das setenta vagas de São Paulo na Câmara Federal.
O produto Tiririca foi idealizado pela cúpula da coligação formada por PT, PRB, PC do B, PT do B e PR, numa estratégia de campanha antiga, mas que, devido à curta memória do eleitor brasileiro, quase sempre dá certo. Trata-se do puxador de votos. De carona, na estratégia Tiririca, foram eleitos Otoniel Lima (PRB), o delegado Protógenes (PC do B) e Vanderlei Siraque (PT).
Carismático, engraçado e nacionalmente conhecido; protagonista de uma campanha cômica e, deliberadamente, debochada; abusando de processos de persuasão psicológicos, como a identificação, Tiririca se distanciou do estereótipo do político promitente e oportunamente simpático, para, com sua personagem, aproximar-se do eleitor, com declarações de não saber o que faz um deputado federal e que gostaria de ajudar as famílias pobres, começando pela dele.
Contudo, Tiririca pode não assumir, de fato, o lugar que o povo de São Paulo lhe deu na capital federal. Por força de dispositivo constitucional, são inelegíveis os analfabetos. Pois é. Tiririca, pasmem, ainda não conseguiu fazer prova de que não é um. Aliás, talvez, justamente por isso, ele não está habituado às provas. Acho que nunca foi apresentada a uma.
Ao TRE paulista, Tiririca apresentou uma certidão manuscrita que é o alvo de uma denúncia de falsidade ideológica de autoria do Ministério Público daquele Estado. Segundo o MP, alguém, que não o Tiririca, escreveu o documento. Em se confirmando a denúncia, o projeto Tiririca irá por água a baixo, derrocando seus caroneiros e frustrando os 1,3 milhões de eleitores que lhe creditaram.
Analistas políticos, estudiosos e mesmo os comuns do povo tentam explicar o fenômeno Tiririca com uma teoria de “voto de protesto”: os eleitores, cansados do modelo político, das falácias e da estagnação de posturas e propostas dos candidatos tidos como convencionais, subvertem o sistema, elegendo “celebridades” sem qualquer expressividade política, sem experiência de mandato, nem compromisso público e, no caso do Tiririca, com extrema audácia e um projeto de marketing inteligentemente criado para fazer da incompetência seu maior trunfo. Seria uma forma de negar o modelo vigente. Ledo engano.
O que tais eleitores parecem não atentar é que, em vez de protesto, eles estão consolidando o mesmo sistema que pensam hostilizar. Afinal, a grande função de Tiririca não foi ser eleito, nem representar o povo, muito menos desmoralizar os políticos de carreira. Tiririca somente foi aceito na coligação da qual faz parte com uma única missão: captar voto, visando garantir e solidificar, nos cargos eletivos, velhas e novas raposas que, sozinhas, por desgaste ou inexpressividade, jamais conseguiriam tal proeza.
A eleição de Tiririca está pendente em virtude de sua possível condição de analfabeto. Contudo, ela já serviu para deixar claro como nossa sociedade está impregnada de um outro tipo de analfabetismo, cujos danos são de proporções incomensuráveis, que é o analfabetismo político. Este tem como uma de suas faces esse tal "voto de protesto", nos moldes em que foi praticado pelos eleitores paulistas. Na verdade, tal prática somente vai demonstrar que a eleição da piada, em bem pouco tempo, não vai ter graça nenhuma.