O corporativismo, a reserva de mercado e o lobby político se combinam para manter privilégios e interditar avanços. Uma relação que prevalece nos corredores, salões e escritórios dos palácios de Brasília. O fim do monopólio das autoescolas desencadeou uma operação parlamentar contra a medida idealizada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho. O Conselho Nacional de Trânsito aprovou a resolução que oficializa o novo trâmite para o acesso à Carteira Nacional de Habilitação. Tem reação.

Pelo país afora, empresas do setor se juntam a políticos para pressionar contra a resolução do Contran. Os representantes dessas escolas aparecem sob siglas que indicam sindicatos, associações e federações. Na gritaria, um jogo combinado prioriza o discurso do medo. “Tirar a autoescola vai explodir o número de acidentes”.

Na onda de exploração da violência como discurso eleitoral, os interessados em manter o negócio milionário da CNH juntam as pontas, digamos assim. Mas se o atual modelo fosse adequado, os números oficiais de acidentes e mortes teriam caído aos milhares, ano a ano – e o que existe é o contrário. Nunca foi por segurança, mas por grana.

Os valores atuais para se obter uma CNH são abusivos. Exclusão na certa. A reserva de mercado tem essa perversidade. Ou paga ou paga. A depender do estado, o candidato a motorista gasta até 4 mil reais. De novo, garantia inapelável de segregação social – as categorias dos com e dos sem carteira para dirigir um carro. Dados do IBGE.

Na semana em que o governo lança o novo modelo para o acesso à CNH, deputados se articulam na Câmara Federal para anular a iniciativa do Planalto. A ideia é aprovar um Decreto Legislativo. Difícil é escapar da automática acusação de voto contra o bolso dessa gente brasileira. Outra vez, o bom e velho “Congresso inimigo do povo”?

De fortíssimo apelo popular, a decisão do governo federal também recebe aplausos da direita – basta ver os editoriais dos jornalões. Outro detalhe nada desprezível: melhores sistemas de trânsito pelo mundo não praticam o monopólio de autoescola obrigatória. Deputados terão de botar a cara na TV e nas redes, e falar o que pensam.

Na Câmara, Kim Kataguiri já apareceu reclamando a paternidade do projeto! Em apoio ao colega, o Delegado Fábio Costa foi na mesma linha doidivana. O caso nem é pauta do Congresso, mas pelo visto está perto disso aí. Tudo embalado por um time de lobistas acostumados a espantalhos e carnificina. Dessa vez, encaram uma parada mortal.