Bastou um discurso da ex-primeira-dama em Fortaleza para que o novo panorama político no campo do bolsonarismo ficasse exposto de modo cristalino. O fator determinante para que isso seja possível é a prisão de Jair Messias, condenado a 27 anos de cadeia pela tentativa de golpe de Estado. Michelle Bolsonaro agiu com aparente disposição de candidata a presidente. E para isso não pediu autorização ao marido, contrariando suas próprias convicções. Afinal, disse ela mesma, a mulher deve ser submissa ao macho. Pelo visto, há margem para relativizar certos princípios. 

Falei de um novo panorama para a turma da direita e ultradireita. Enjaulado em cela especial da Polícia Federal, Jair perdeu as condições de ditar os rumos desse campo ideológico. Não pode falar com as lideranças, nem de viva voz nem por meio de redes sociais. As visitas são esparsas e com restrições, sem meios para articulações.

Enquanto Bolsonaro tem de lidar com suas agruras de presidiário, reclamando de saúde frágil, embora tenha “histórico de atleta”, a vida corre aqui fora em outra velocidade. E aqui fora, a tropa de nomes e partidos que batia continência para o ex-presidente tem mais o que fazer. Que o digam Valdemar, Tarcísio, Caiado e até Michelle.

No discurso, os aliados ainda repetem que a “palavra final” sobre candidatura presidencial é do Jair. Mas ninguém quer ficar parado, à espera da bênção e da autorização de um político inelegível, condenado e preso. Daí que PL, União Brasil, PP e outras legendas ligadas ao bolsonarismo intensificam as negociações para um desfecho.

A gritaria de Eduardo Bolsonaro contra os que pleiteiam o posto de candidato é apenas patética. Foragido nos Estados Unidos, atuando contra os interesses do Brasil, suas palavras são desprezadas pelos próprios representantes da extrema direita. O resultado é a confusão, o impasse e o tiroteio entre os que estão do mesmo lado político.

A bagaceira atesta ainda que as comparações entre a situação de Bolsonaro com a de Lula em 2018, quando o petista foi preso, são descabidas. Mesmo na cadeia, Lula jamais perdeu o posto de liderança absoluta sobre o processo eleitoral pela esquerda. Tudo passou por ele. Com o marido de Michelle, dá-se precisamente o contrário.

Claro que o Jair tem seus eleitores fiéis. Mas sua prisão se deu na maior tranquilidade, sem qualquer mobilização de massa em defesa do homem. De novo, tudo bem diferente do que se viu no caso de Lula. Por isso, Michelle e demais nomes do bolsonarismo querem decidir a parada. Por enquanto, Bolsonaro – o estorvo – só atrapalha.