Qual o melhor lugar para a segurança de uma criança ou adolescente? O senso comum dirá que é o doce recanto do lar. Claro, em casa tem-se a proteção dos integrantes da sacrossanta família brasileira. Todos muito zelosos em cuidar do presente e do futuro de seres humanos ainda no começo da grande aventura da vida. Pais, mães, tios, irmãos mais velhos e vovôs formam a blindagem perfeita para meninas e meninos.

Que bonito! Fosse antigamente, eu até usaria aquela imagem resumida no reclame publicitário da Família Margarina. Gostamos de imaginar esse ambiente perfeito, imune a agruras e dissabores. Carinho, dedicação e amor de domingo a domingo. Proteção e respeito predominam nas relações a portas fechadas. Nada mais seguro.

Seria realmente uma beleza se tal retrato tivesse conexão direta com a realidade. Não tem. A vida como ela é esmaga a fantasia baseada na crença sobrenatural de que existe uma bondade genuína decorrente dos laços de sangue. É duro reconhecer certas obviedades, mesmo quando os fatos se impõem pela frieza de números e estatísticas.

Para qualquer lado que se olhe, há sempre um estudo cheio de informações estarrecedoras sobre o perigo mortal para crianças dentro de casa. O mais recente é o Atlas da Violência 2025, publicado em maio pelo Ipea e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Não há escapatória. A antologia de dados atesta que precisamos proteger os pequenos – proteger de toda aquela fauna que vai do paizão ao vovozinho.

O documento mapeia em detalhes a brutalidade que atinge essa faixa da população indefesa refém da própria família. Quem tiver interesse em mais informações, está tudo a um clique de distância. Espancamentos, abusos sexuais e assassinatos formam o painel infame nos lares do Brasil lindo e trigueiro. Para completar o quadro desolador, aqui a impunidade é regra absoluta. Fica tudo escondido, sem punição, no seio familiar.

Segundo o Atlas, parte das vítimas está na primeira infância, de zero a quatro anos de idade. E veja este índice: 80% dos casos de violência contra a criançada ocorrem dentro de casa, praticados por parentes. Você leu certo: 80% dos episódios registrados têm a autoria dos que deveriam garantir proteção – e eles jamais serão descobertos.

Eis um recorte em um mapa bem mais amplo na vida nacional. Pense no estupro de adolescentes, na violência contra idosos e no imparável avanço do feminicídio. Também nessas calamidades, os criminosos, na maioria, habitam o mesmo endereço, são parte da mesma família das vítimas. Este sim é um desafio à espera de ações urgentes.

Enquanto esse flagelo corre solto, homens públicos, em Alagoas e no Brasil, estão “preocupados” com ideologia de gênero. Basta ver essas porcarias, e bate a certeza: com essa macharada ridícula, políticas públicas sérias não têm chance de prosperar. Aliás, aposto que poucos dessa manada resistiriam a uma perícia em seus esconderijos. 

Um político, um machinho histérico espumando “em defesa da família”? Cuidado!