Os rumos de um país (ou de uma sociedade, se você preferir) também passam pelas palavras que, de uma hora para outra, começam a aparecer aqui, ali e em todos os lugares. Veja o caso de “polarização”. Nos últimos anos, o verbete se tornou onipresente na imprensa, na universidade, nos bares e nas antigas barbearias. Quando isso ocorre, chegará o dia em que, com tantas citações, o termo terá o sentido original pulverizado.

Foi assim com o substantivo primo do verbo polarizar. O tsunami da palavra saiu da briga Lula versus Bolsonaro, esquerda versus direita, comunismo versus capitalismo – e se impôs como uma maldição totalizante. Como uma pororoca incontrolável, a expressão rompeu diques e comportas e inundou todas as esferas de nossa existência. Relações pessoais e escolhas estéticas agora dependem daquela categoria semântica.

Uma prova desse atentado com armas da linguagem e da semiótica está no próprio governo federal. Quando Lula subiu a rampa em primeiro de janeiro de 2023, estava embalado no slogan “União e reconstrução”. A mensagem é uma clara resposta ao “ambiente polarizado”. O autor da ideia – dedução lógica – agiu movido pelo conceito espraiado na cabeça de todos – e o que é de todos não é de ninguém. É tautologia.

Dois anos e meio depois, como nada é capaz de decretar o fim do espírito de uma época, o governo desistiu do idealismo conceitual, e trocou de slogan sem qualquer ritual ou cerimônia de adeus. Agora é “Do lado do povo brasileiro”. Uma guinada epistemológica. Salvo engano, troca-se a platitude de pretensões evangelizadoras por uma declaração de guerra. A ilusão de unificar já era. É tempo de cavar uma trincheira e afirmar a diferença.

No meio do caminho, entre o trololó e a redundância, um ex-presidente e dois parlamentares saem à luz do Sol para pregar nada menos que a pacificação. Porque a política não respeita fronteiras para o casuísmo, o caminho de luz até o nirvana é uma anistia tão extravagante quanto descabida. Naturalmente não tem perigo de dar certo. E parece que, mais uma vez, todo mundo se rende à miragem, a mais uma falácia.

Não bastasse o conjunto de disparates, pesquisadores gastaram um livro inteiro para defender que, a bem da verdade, a polarização evoluiu para o sarrafo da calcificação. Nesse caso, defende-se a tese segundo a qual o que está de um jeito de outro jeito nunca será. Sendo isso verdadeiro, é obrigatório concluir que pacificar é causa perdida.

Para fechar com um retrato factual e imediato do Brasil, o novo chefe do Poder Judiciário acaba de assumir o posto sob o signo da contenção. Foi o que defendeu Edson Fachin, o agora presidente do STF. Não será por falta de uma carta de boas intenções que o país cairá no abismo. Nessa gramatologia do ÃO, a rima pobre é o menor dos problemas.