“Falta creche, curso para os jovens e assistência social de verdade. No posto de saúde, não tem pediatra nem neuropediatra. Muitas crianças com autismo estão sem atendimento.” O desabafo é de Renata Feitosa, moradora da Grota da Nascença, no bairro Tabuleiro dos Martins, em Maceió.
A fala de Renata reflete a realidade de grande parte da população da capital e do estado — o acesso a direitos básicos como saúde, educação e assistência social ainda é marcado pela escassez e pela desigualdade.
Apesar de avanços pontuais, o estado permanece entre os que obtêm os piores resultados no Índice de Progresso Social (IPS) Brasil 2025, divulgado em maio pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em parceria com outras organizações.
Só para se ter uma ideia da estagnação, o Brasil atingiu 61,96 pontos numa escala de 0 a 100 no Índice de Progresso Social (IPS), revelando dificuldades em transformar crescimento econômico em bem-estar social. Alagoas, com 57,70 pontos, ficou na 21ª posição entre os estados, reflexo das desigualdades estruturais que persistem.

No caso da capital alagoana os resultados também não são animadores. Maceió aparece em 25º lugar entre as capitais brasileiras, com 61,48 pontos — praticamente estagnada em relação à edição anterior do índice.
O índice analisa 53 indicadores sociais e ambientais, organizados em três dimensões — Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos do Bem-estar e Oportunidades. Esses dados ganham vida nos relatos das periferias, onde a ausência de políticas públicas eficazes é sentida no dia a dia.

Avanços pontuais não cobrem ausência dos serviços mais básicos
Renata reconhece avanços em infraestrutura, como drenagem, asfaltamento e escadarias, mas denuncia falhas crônicas no acesso a serviços fundamentais. “Abriram um CRAS aqui, mas falta um ponto de apoio real, com assistência social de verdade”, diz.
A moradora da Grota da Nascença ressalta que o posto de saúde local precisa de profissionais especializados para atender a crescente demanda infantil, especialmente crianças com autismo.

Na comunidade da Muvuca, no complexo lagunar de Maceió, a agente popular Jany Dayse confirma que as melhorias são insuficientes. Essa região, às margens da Lagoa Mundaú, reúne quatro favelas: Muvuca, Sururu, Peixe e Mundaú.
Jany destaca avanços na coleta de lixo e no atendimento médico no Vergel do Lago, mas lamenta a precariedade da educação e a falta de planejamento contínuo. “Tem criança que não sabe ler nem escrever e está passando de ano. Meu filho está na 5ª série e não sabe nem escrever o nome”, denuncia.
Ela também aponta a insegurança alimentar e a ausência de renda como pilares da desigualdade que o IPS evidencia. “Quando não é a saúde, é a comida. Quando não é a comida, é a educação. A gente sofre sempre por alguma coisa”, resume.
Os relatos revelam que os números do IPS vão além de estatísticas, eles escancaram um ciclo persistente de exclusão, no qual o direito à saúde, à educação e ao desenvolvimento infantil segue distante da realidade das comunidades.
A estagnação de Alagoas e de sua capital no índice evidencia a necessidade de políticas públicas mais integradas e contínuas, com foco em crianças, jovens e famílias em situação de vulnerabilidade. Sem esse olhar estruturado, o avanço social seguirá restrito, enquanto parte significativa da população segue aguardando acesso a direitos básicos, dignidade e oportunidades.
Falta de políticas estruturantes limita avanço
O arquiteto urbanista e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Dilson Ferreira, aponta desigualdades estruturais históricas e a ausência de políticas públicas integradas e eficazes como causas da estagnação de Alagoas no IPS 2025.
“A estagnação do estado decorre dessas desigualdades conhecidas, que seguem sem ser enfrentadas de forma estratégica e integrada. O que temos são ações pontuais”, afirma.
Um dos principais desafios, segundo o docente, é o baixo acesso ao saneamento básico. Ferreira frisa que apenas 27,8% da população conta com rede de esgoto, o que impacta diretamente a saúde pública e outros indicadores sociais.
O professor destaca ainda a desigualdade territorial entre regiões — enquanto Maceió concentra investimentos, municípios do Sertão e da Zona da Mata enfrentam precariedade na saúde, educação e infraestrutura urbana.
O especialista também cita o impacto dos crimes ambientais, como o afundamento do solo em cinco bairros de Maceió provocado pela mineradora Braskem, que afetou cerca de 60 mil pessoas e comprometeu a infraestrutura social da capital e região metropolitana.
Além disso, Dilson defende que a violência estrutural mantém Alagoas entre os estados mais violentos do país, com mais de 30 homicídios por 100 mil habitantes. O docente ainda ressalta que Maceió registra altos índices de feminicídios e homicídios.
Na educação, o professor aponta que “alunos do ensino médio da rede pública têm desempenho abaixo do adequado em matemática”, mesmo com a universalidade do ensino.
O especialista critica a falta de articulação entre as áreas sociais e a baixa qualidade da gestão pública, com terceirização e fiscalização insuficiente, prejudicando a avaliação e correção dos problemas.
“As políticas não rompem com a lógica da desigualdade histórica nem com as relações de poder e clientelismo político que se perpetuam na gestão pública”, denuncia.

Economia cresce, mas a desigualdade continua no mesmo lugar
Apesar do crescimento econômico recente, esse avanço não se traduziu em inclusão social efetiva. Políticas urbanas e sociais são fragmentadas, descontinuadas e pouco avaliadas.
Ferreira destaca a falta de políticas públicas universais e bem financiadas, como política de Estado — não apenas de gestão — nas áreas de saneamento, meio ambiente, mobilidade, cultura, saúde, assistência social e urbanização das periferias.
“Na educação, houve avanços com as creches Cria. Na saúde, a construção de hospitais melhorou um pouco, mas ainda é insuficiente para suprir a lacuna histórica”, argumenta.
Segundo ele, a gestão clientelista predomina, com uso político-eleitoral dos serviços, baixa participação popular e captura de recursos por grupos locais, que pulverizam os investimentos em institutos e ONGs ligadas a políticos, drenando recursos que poderiam gerar impacto maior.
Ferreira relaciona o baixo desempenho em saúde, segurança e educação às desigualdades históricas do estado, que refletem legados de concentração fundiária, patrimonialismo, falta de infraestrutura e exclusão social.
Na saúde, o saneamento precário mantém a mortalidade infantil preocupante; na segurança, a violência se concentra em regiões com baixa infraestrutura e social. “A juventude negra, mulheres, pessoas vulneráveis e moradores das periferias são as maiores vítimas”, alerta.
Esses problemas são territorializados, de acordo com o professor, atingindo especialmente moradores das grotas urbanas, periferias, áreas sem regularização fundiária e o sertão, onde o Estado enfrenta dificuldades para atuar com efetividade.
Ferreira ainda evidencia a desconexão entre crescimento econômico e progresso social em Alagoas. “O estado cresceu economicamente em 2023, mas o crescimento foi setorial, concentrado e excludente.”
O professor ainda pontua que os ganhos do PIB ficaram restritos a setores como turismo, agroexportação e construção civil de alto padrão, que não promovem distribuição de renda equitativa nem empregos qualificados para a população geral.
Para o especialista, o modelo urbano vigente reforça a exclusão social — enquanto obras estéticas avançam em áreas centrais e litorâneas, mais de 193 grotas vivem em vulnerabilidade, com esgoto a céu aberto e ausência de equipamentos públicos, salvo ações pontuais.
Além disso, o professor defende que a cidade de Maceió também precisa de plano diretor efetivo, plano de mobilidade urbana e enfrenta problemas no plano de saneamento e na legislação ambiental, que limitam a autonomia das secretarias responsáveis, abrindo brechas para terceirização, precarização e falta de participação popular.
“Crescer não tem sido o mesmo que progredir. O progresso social exige inversão de prioridades, investimentos em políticas estruturantes, planejamento urbano com justiça social e ampla participação popular”, finaliza.
O CadaMinuto procurou o Governo de Alagoas e a Prefeitura de Maceió para comentar os resultados do IPS 2025. Foram enviadas perguntas sobre a interpretação dos dados, desafios e ações previstas para melhorar os indicadores sociais e ambientais. Até o fechamento desta reportagem, nenhuma das instituições havia respondido aos questionamentos.
*Estagiário sob supervisão da editoria
Foto de capa: Arquivo/Fernando Frazão/Agência Brasil