Entidades ligadas aos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e aos direitos dos animais estão na contagem regressiva, para o que deve ser, este ano, o último São João no qual os fogos de artifício barulhentos poderão ser utilizados em Alagoas. A Lei Estadual 9.146, de 15 de janeiro de 2024, já proíbe a comercialização e utilização de fogos deste tipo, no entanto, somente a partir de janeiro de 2026, começam a ser aplicadas as penalidades para quem descumprir a legislação.

O projeto que deu origem a lei é de autoria do ex-deputado estadual Léo Loureiro, mas foi encampado pela deputada estadual Cibele Moura, relatora da proposta na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE).

A partir de janeiro de 2026, quem comercializar, transportar ou utilizar fogos de artifício com estampido, estará sujeito à multa que varia entre R$ 2.500,00 a R$ 15.000,00, com valores dobrados em caso de reincidência.

Cibele Moura, que também é autora da proposta que proíbe o Estado de utilizar fogos de artifício com estampido em seus eventos públicos, disse acreditar que, com a penalidade, àqueles que ainda insistem na utilização dos artefatos pensarão duas vezes.

“A aprovação e posterior sanção dessa lei foram vitórias não só do nosso mandato e do Parlamento Alagoano, mas também de toda sociedade. Há anos temos trabalhado essa questão da conscientização, apelando para que todos entendam a importância de cumprir a lei, mesmo sabendo que ainda não estariam sujeitos as penalidades em caso de descumprimento. A partir do ano que vem, quem não se ‘educou’ para essa nova realidade irá se sentir no bolso”, destacou a parlamentar.

“Não podemos permitir que tradições interfiram de forma negativa na vida das pessoas. Precisamos evoluir e entender que as consequências do ruído dos fogos são extremamente prejudiciais, principalmente para nossos autistas, idosos e animais. Não podemos aceitar que uma diversão impacte na saúde física e emocional de milhares de pessoas que precisam da nossa proteção”, completou Cibele.

 

 

Tradição que virou estorvo

Lua Beserra, defensora da causa animal e proprietária do Hotel Pet Casa da Lua, ressaltou que a nova legislação é de uma “importância ímpar”: “Estamos falando de animais que entram em pânico, que morrem, que pulam de varandas, que se enforcam em correntes, que infartam. Estamos falando de crianças autistas, de jovens autistas e de idosos com determinadas condições de saúde que também se apavoram com o barulho dos fogos, então a lei é importantíssima e ainda bem que veio, porque no momento social que a gente vive hoje realmente é necessário dar um basta nessa tradição que deixou de ser tradição e virou um incômodo, virou um grande estorvo na vida das pessoas”.

Em relação às expectativas para o cumprimento da lei, a partir de 2026, Lua ressaltou a necessidade de fiscalização, para coibir a utilização em festas clandestinas, por exemplo, ou por pessoas isoladamente, nas ruas.

“Para mim é um prejuízo muito grande como criadora, pelo pânico que os meus cães têm, os meus gatos, e para mim é um prejuízo como empreendedora, porque eu tenho que limitar o número de hospedagens para evitar que eu perca o controle durante uma queima de fogos ou uma festividade e isso também me traz prejuízo financeiro, prejuízo emocional, porque fico tensa, preocupada com os meus cães, com os cães dos clientes e com o prejuízo financeiro. Eu não posso ter um número de hospedagens que seja lucrativo para mim por conta disso”, pontuou.

A empreendedora conta também que, os períodos de jogos de finais de campeonato, festas juninas réveillon e outras festividades, já são “esperados” como fontes de stress e de ausência de vida social: “Nesses períodos eu não tenho nenhuma possibilidade de conviver socialmente por conta deles”.

Ela relata ainda que, certa vez, o uso de fogos barulhentos em uma festa de igreja por pouco não provocou a morte, por infarto, de uma de suas cadelas, a Kika. Já Isabel, de 15 anos, hoje está idosa e praticamente surda, mas ao longo da vida sofreu várias crises convulsivas por conta do pavor. “E assim, desde 2003, que eu não sei o que é sair de casa no Réveillon por conta dos meus cães. Desde 2003, eu não passo um Réveillon fora de casa”, concluiu.

 

 

Impotência e alívio

“Sou mãe de um menino autista de 10 anos. Participo de alguns grupos de mães de autistas, mas não de forma tão ativa, pois preciso dividir meu tempo entre o trabalho e os cuidados com meu filho. A nova lei sobre a proibição de fogos com estampido é muito importante. Na minha visão, ela demorou a chegar, mas traz um certo alívio”, relata a empresária alagoana Maria Laura* (nome trocado, a pedido da entrevistada).

“Nossas crianças e jovens autistas sofrem muito com esse tipo de estímulo, e nós, como pais, muitas vezes nos sentimos impotentes, já que em diversos períodos festivos e comemorações os fogos de artifício com estampido estão presentes. Até agora, não podíamos fazer nada para impedir isso, mesmo sabendo o quanto nossos filhos são afetados”, desabafou.

Agora, Maria Laura diz ter esperanças que a lei seja realmente cumprida a partir de 2026, mas alerta para a necessidade que os órgãos fiscalizadores estejam preparados e tenham equipes suficientes para coibir a venda desses fogos. “Se dependermos apenas das denúncias feitas após o uso, a mudança será mínima e a lei pode acabar servindo apenas como um paliativo”, prosseguiu.

“No caso do meu filho, os fogos com estampido provocam reações muito intensas. Ele fica extremamente nervoso, entra em crises de choro e se torna inconsolável. Uma simples sequência de fogos pode deixá-lo mal por horas, exigindo cuidados redobrados de todos ao redor. Isso impacta profundamente o nosso dia a dia e torna situações simples em grandes desafios”, concluiu a empresária.