“Ninguém disse a esse cara que o inimigo dele é a Faria Lima, é a grande imprensa, são os grandes bancos, você entende?”. Palavras de Jessé Souza, o pensador que parte da esquerda elegeu como referência na disputa política. Sua obra mais recente, O Pobre de Direita, dá continuidade a uma linha de análise festejada em rodas de militância. Mas as ideias do sociólogo estão longe da unanimidade no campo progressista. A fragilidade de seus argumentos beira um amadorismo panfletário duramente criticado.
Os “caras” que não foram avisados sobre seus reais inimigos são os miseráveis de um Brasil onde falta quase tudo. “Em 500 anos, ninguém contou para ele por que ele vive na extrema pobreza”, reforça o autor com uma ligeireza constrangedora. Então é simples assim? Diabos, como ninguém pensou nisso durante cinco séculos? Faltava um iluminado para tirar milhões da ignorância existencial. Finalmente Jessé veio ao mundo.
No livro ele mistura o “branco pobre”, o “negro evangélico”, a pobreza do Sudeste e a miséria do Nordeste para erguer suas teses pra lá de questionáveis. É uma gororoba embalada numa pesquisa direcionada, sem explicação sobre critérios de escolha. É um padrão: com uma ideia na cabeça, vamos a campo torturar a realidade para impor uma visão de mundo pré-concebida. É o caso desse autor campeão de vendas.
Li Jessé Souza pela primeira vez em 2016, quando ele lançou A Radiografia do Golpe – como e por que você foi enganado. Vamos deixar de barato o título apelativo. Tomei um susto diante da mediocridade do texto e da superficialidade argumentativa. Já estava lá a mesma cantilena sobre a Globo e a Faria Lima. Não dá para engolir esse ramerrame.
Afamado como best-seller, o escritor ganhou espaços generosos da “criminosa grande mídia” – a expressão é dele – para divulgar seu livro e suas ideias. É o que antigamente a turma resumia como “explorar as brechas do sistema”. Como celebridade intelectual, Jessé colhe dividendos país afora, como acaba de fazer numa palestra em Maceió.
Segundo as teses do sociólogo, o pobre de direita também é “bastardo” e “ressentido”, conceitos do campo da moral. Não parece a melhor via para buscar entender fenômenos tão complexos da vida cotidiana de milhões de pessoas. A diversidade escapa de modelos reducionistas que tentam resumir tudo a palavras de ordem e a clichês.
Para encerrar. O modus operandi do pensamento de Jessé Souza me lembra certos professores de Jornalismo que vi na Ufal há quase 40 anos. Do alto de seus doutorados, gastavam uma aula inteira falando mal da Globo. Incrível, mas um ou outro ainda estão por lá, perpetrando, por assim dizer, o mesmo estelionato intelectual e pedagógico.