No Brasil, maio é o mês de mobilização nacional contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Em Alagoas, a campanha conhecida como Maio Laranja ganhou força com ações públicas, educativas e mobilizações sociais que buscam dar visibilidade a um problema estrutural e muitas vezes invisível: a violência que ocorre dentro de casa, nas escolas e em outros espaços de convivência da infância e juventude.
Este domingo, dia 18 de maio, marca o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, criado em memória de Araceli Crespo, uma menina de 8 anos sequestrada, violentada e assassinada em 1973, em Vitória, no Espírito Santo. Embora o crime tenha ganhado repercussão nacional, os autores nunca foram punidos. 50 anos depois, casos semelhantes ainda se repetem, com a mesma frequência, impunidade e silenciamento.
Em Alagoas, os números mostram que a violência sexual infantojuvenil continua sendo uma realidade persistente. De acordo com dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, o estado registrou, em 2024, mais de 37 mil denúncias de violações de direitos envolvendo crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, um aumento de 22% em relação ao ano anterior.
Escuta e acolhimento
No mês de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, a psicóloga Lara Moraes reforça que os sinais de violência podem ser sutis, mas jamais devem ser ignorados. “É importante entender que os sinais variam de uma criança para outra e um comportamento isolado não confirma abuso, mas isto serve para chamar nossa atenção”, alerta.
Entre os indícios de abuso, estão mudanças bruscas de humor, comportamentos regressivos, alterações no desempenho escolar, evitar lugares ou pessoas (ou, ao contrário, aproximação excessiva de alguém específico), falas com conteúdo sexual inadequado e até queixas físicas, especialmente relacionadas à região genital.
Segundo a psicóloga, a prevenção começa com conversas francas desde a infância, utilizando uma linguagem adequada, ensinando sobre as partes íntimas — explicando que elas não devem ser tocadas por outras pessoas, exceto em situações de cuidados médicos ou higiene — e, sempre que possível, recorrendo a materiais educativos. “Hoje temos alguns recursos que ajudam a iniciar esses diálogos, como livros infantis. Destaco Pipo e Fifi: ensinando proteção contra violência sexual”, indica.
Quando a criança confia o relato de um abuso a um adulto, o passo mais importante é escutar com calma e oferecer acolhimento. Lara ressalta que os responsáveis não devem assumir o papel de detetives, mas sim serem fontes de apoio e segurança naquele momento. Além disso, ela destaca que o agressor jamais deve ser confrontado na presença da vítima.

Sobre os impactos psicológicos do abuso, a psicóloga destaca que eles podem ser profundos e que é comum que esses jovens carreguem sentimentos de vergonha, medo, confusão, raiva e culpa. “O abuso não define quem o jovem é, nem precisa determinar sua história”. A psicoterapia, nesse sentido, é uma aliada fundamental para ajudar a nomear emoções, desconstruir crenças e retomar a confiança no mundo.
A culpa, aliás, é um dos maiores obstáculos no processo de recuperação. Para Lara, o acolhimento sem julgamentos e o trabalho em rede são fundamentais para que as vítimas possam, enfim, retomar sua força e seu direito de serem protegidas.
“O agressor muitas vezes cria uma relação de afeto que depois é deturpada pela violência, o que gera sentimentos confusos. Já que, muitas vezes, quem abusa é também quem cuida da criança em outros momentos. Mas nenhuma criança é responsável pelo que um adulto faz”, afirma.
Ações educativas e inclusivas
A campanha Maio Laranja em Alagoas também mobiliza a estrutura institucional do Estado. A Secretaria de Estado da Cidadania e da Pessoa com Deficiência (Secdef) atua em parceria com órgãos governamentais, conselhos municipais de direitos, instituições não governamentais e serviços de políticas públicas em todos os municípios alagoanos. A proposta é levar ações interventivas e educativas para cada território, respeitando as suas realidades.
Entre os projetos de destaque está o programa Todo Dia é 18 de Maio, que intensifica ações de prevenção e enfrentamento à violência sexual ao longo de todo o ano. Este ano, a campanha se destaca pela abordagem inclusiva.
“O diferencial da campanha deste ano é a abordagem inclusiva, dado que todo o material foi pensado para ser acessível a todas as crianças, incluindo aquelas com deficiências, garantindo que a mensagem de proteção seja compreendida por todos”, destaca a Secdef. A cartilha, pioneira em acessibilidade, foi idealizada pela jornalista Patrícia Almeida, a partir da experiência com sua filha, que tem síndrome de Down.
Além disso, o programa Trilha da Cidadania atua diretamente na formação de profissionais da rede de proteção, educação e assistência social, utilizando jogos e kits didáticos para envolver crianças e adolescentes no processo de aprendizagem sobre seus direitos. Todo o material é pensado para ser lúdico, acessível e educativo.
Apesar dos avanços, a Secretaria reconhece desafios persistentes, como a resistência de familiares em denunciar agressores, o sentimento de culpa e vergonha. Outro desafio apontado pela pasta é o crescimento da violência sexual no ambiente virtual, muitas vezes subestimado por responsáveis e profissionais. O alerta é para o aliciamento online, prática em que criminosos se passam por jovens ou crianças da mesma idade para estabelecer vínculos com as vítimas, muitas vezes utilizando temas que despertam o interesse infantil.
O abuso pode se manter no ambiente digital, com trocas de imagens e conversas impróprias, ou evoluir para encontros presenciais, resultando em violência física ou sexual.
A orientação é que os responsáveis acompanhem de perto o uso que crianças e adolescentes fazem das redes, com diálogo constante, supervisão e orientação preventiva. “Quando a gente pensa em violência sexual infantil, imagina-se apenas o contato físico. Mas nessa era digital, as crianças estão cada vez mais cedo tendo acesso à internet e redes sociais”, destaca o órgão.
Responsabilidade coletiva
A presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), Mariana Sampaio, explica que a Ordem tem realizado campanhas de conscientização que instigam a sociedade a assumir um papel ativo na prevenção e no debate sobre esse tipo de crime.
“A iniciativa ‘Não finja que não vê. Somos todos responsáveis’ é um exemplo dessa mobilização, ao estimular que casos suspeitos sejam denunciados, mesmo quando ocorrem em ambientes próximos, como dentro de casa, na vizinhança ou no círculo familiar”, afirma.
A OAB também atua em parceria com entidades como a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP/AL), o Registro de Atendimento à Vítima (RAV) e outros órgãos da rede de proteção. Assim que a denúncia é protocolada no sistema, o encaminhamento é imediato e as medidas de proteção são acionadas.

Mariana contou que a campanha Maio Laranja é umas das principais da OAB e vem se consolidando. Em 2023, a campanha foi liderada pela OAB Alagoas e, neste ano, a entidade passou a apoiar ações em parceria com órgãos estaduais.
Desse modo, a ordem vem realizando ações de conscientização para a população em parceria com a Secdef, a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (Seades) e a Agência Reguladora de Serviços Públicos de Alagoas (Arsal). Além da atuação direta no recebimento de denúncias, a OAB participa da formulação de políticas públicas voltadas à proteção de crianças e adolescentes, integrando fóruns e conselhos de direitos.
A instituição tem presença na coordenação do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e em conselhos como o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA) e no Conselho Municipal (SMDCA), sendo referência no cuidado com essa população. “Fico muito feliz porque não é uma conscientização só para maio, não é uma mobilização só para maio. A gente traz essa temática o ano todo”, reforça.
Como denunciar?
Para realizar uma denúncia, qualquer pessoa pode ligar gratuitamente para o Disque 100, disponível 24 horas por dia. Também é possível registrar casos pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil ou procurar diretamente o Conselho Tutelar mais próximo.
Outros canais de denúncia em Alagoas incluem o Disque 181, o 197 (Polícia Civil), 190 (PM), 191 (PRF) e 194 (Polícia Federal). O anonimato é garantido.
A denúncia pode salvar uma vida.
*Estagiárias sob supervisão da editoria