Não, isso não é só uma brincadeira. Não é só “um hobby inofensivo”. Não é apenas um modismo passageiro e fofo. A febre dos bebês reborn escancarou algo muito mais profundo, incômodo e grave: o adoecimento emocional de uma sociedade que já não consegue mais lidar com a realidade, com a dor, com a ausência — e prefere fabricar um afeto de mentira para preencher o que não sabe nomear.

As bonecas que imitam bebês de verdade, com detalhes milimetricamente humanos, ultrapassaram o campo da fantasia infantil. Elas invadiram o cotidiano de adultos, que compram carrinhos de verdade, preparam enxovais, fazem quartinhos decorados, organizam chás de revelação e fingem partos emocionados. Tudo isso para uma boneca. Uma boneca.

Não é exagero dizer que estamos diante de um colapso silencioso. O ser humano, em vez de encarar o luto, a solidão, os traumas ou a própria dificuldade de construir vínculos reais, passa a se apegar a um objeto inanimado como se ele fosse capaz de oferecer amor de volta. Um objeto que não chora de verdade, não adoece, não decepciona, não exige nada — um simulacro perfeito da afetividade domesticada.

O que era pra ser uma brincadeira virou válvula de escape. E o que era pra ser terapia virou vício emocional. A carência se institucionalizou. Tornou-se produto. E, como tudo que viraliza, virou espetáculo nas redes, com vídeos de partos encenados e narrativas que misturam ternura com delírio.

Mas ninguém está tendo coragem de chamar isso pelo nome: fuga. Substituição afetiva. Adoecimento.

Não se trata de desrespeitar quem sofre. Mas de questionar até que ponto estamos criando dispositivos emocionais para fugir da realidade — e não para enfrentá-la. Porque quando adultos preferem se apegar a bonecas em vez de buscar ajuda, construir relações ou lidar com suas dores, não estamos diante de uma tendência. Estamos diante de um alerta.

A sociedade está carente. Mas, mais do que isso, está doente. E se a única forma de afeto que conseguimos acessar é através de plástico, tecido e simulação, talvez o problema não esteja na solidão… mas na maneira como escolhemos anestesiá-la.

É preciso parar de romantizar o desequilíbrio. Porque tem gente confundindo amor com carência, e fantasia com fuga. E isso, definitivamente, não é saudável.