A professora de geografia da Educação Básica da Rede Privada de educação, mulher negra e lésbica, Alycia Eduarda Oliveira da Silva, a Alycia da Bancada Negra (PT), de 28 anos, é candidata a vereadora por Maceió. Em entrevista ao CadaMinuto, ela fez duras críticas à atual gestão municipal e denunciou o abandono das periferias da capital.
Para Alycia, a administração do prefeito João Henrique Caldas, o JHC (PL), é marcada por uma “perversidade” na gestão dos recursos públicos, que favorece áreas turísticas enquanto negligencia as regiões periféricas, majoritariamente ocupadas por pessoas negras e de baixa renda.
“Temos uma rede de saúde fragilizada, cada vez mais privatizada, com profissionais desgastados e sem propostas de qualificação”, destaca Alycia, apontando a falta de políticas voltadas para as comunidades periféricas.
Ela enfatiza que a violência contra jovens negros é um reflexo direto da falta de alternativas e da negligência do poder público. “Um jovem negro tem 17 vezes mais chances de ser assassinado do que um jovem branco, e isso é um recado muito claro para nossa população.”
Desafios e enfrentamento na Câmara de Maceió
A candidata afirma que caso seja eleita em 6 de outubro, o principal desafio será enfrentar a crescente onda de conservadorismo que domina a Câmara de Vereadores de Maceió.
Segundo ela, a presença de nomes tradicionais e alinhados à extrema direita dificulta a promoção de pautas progressistas e inclusivas.
“As propostas de ataque à comunidade LGBTQIAPN+, às mulheres e à população negra já estão claras. Sabemos que essas são as articulações que eles têm promovido, mas acreditamos que nossa presença nesses espaços representa um desafio para eles, porque terão que lidar com pessoas que representam diretamente o povo, aqueles que vivem e habitam Maceió”, defende.
Alycia argumenta que o objetivo do seu mandato será o de levar os problemas reais da cidade para a Câmara. Além disso, pontua a necessidade de enfrentar neste espaço o discurso de ódio. “Aceitamos o desafio de enfrentar essas famílias que tradicionalmente dominam a política da nossa sociedade. Nosso compromisso é colocar o povo dentro da Câmara e transformar a realidade.”

Propostas para Maceió
Alycia da Bancada Negra apresenta uma série de propostas focadas na construção de políticas públicas inclusivas e representativas para a cidade de Maceió. Elas foram elaboradas coletivamente ao longo de dois anos de debates e rodas de conversa, visando valorizar as diversidades e lutas sociais.
“A gente pensa a partir de 3 eixos principais: nós pensamos a cidade justamente para pessoas que não são colocadas no orçamento e na política institucional. Então pensamos principalmente no grupo de mulheres, LGBTQIAPN+ e de pessoas negras”, destaca.
Além disso, a candidata julga como importante retomar a discussão do Plano de Mobilidade Urbana e do Plano Diretor da cidade “para que possamos lidar com os impactos do crime cometido pela Braskem”, de afundou cinco bairros com a exploração de sal-gema e fez com que cerca de 60 mil tivessem que sair de suas casas.
“Esse desastre afeta Maceió de forma profunda, e precisamos de grupos de trabalho com profissionais multidisciplinares para buscar soluções possíveis, pois os danos são imensos, tanto para as pessoas quanto para a cidade”, acrescenta. Veja abaixo as propostas:
Participação Coletiva
- Criação de dispositivos de participação popular, como Reuniões Abertas mensais e consultas públicas nas periferias;
- Realização de fóruns de debates articulados com as demandas das comunidades periféricas;
- Produção de um diagnóstico coletivo sobre as realidades sociais de Maceió, com foco nas populações negras, LGBTQIA+ e mulheres.
Educação
- Formação continuada de professores em Gênero e Relações Étnico-Raciais;
- Inserção de temas de gênero e etnicidade no currículo escolar;
- Criação do Programa Reexistência nas escolas municipais, estimulando atividades culturais e formativas;
- Cobrança pela criação de creches nas periferias e melhorias nas condições das escolas municipais.
Cultura
- Fomento às manifestações culturais negras e criação da Casa da Cultura Negra;
- Políticas afirmativas para editais culturais, garantindo 50% dos recursos para negros e negras;
- Propostas para leis que incluam debates sobre a cultura negra nos currículos escolares.
Políticas para Mulheres
- Defesa dos direitos das mulheres contra pautas conservadoras, com foco especial em mulheres trans e travestis;
- Cobrança de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres e equidade de gênero nos cargos públicos.
- Fiscalização do atendimento de saúde garantido às mulheres e fortalecimento da Rede de Assistência de Saúde.
Saúde da População LGBTQIAPN+
- Formação continuada para profissionais da saúde para atendimento inclusivo;
- Criação de um centro de referência para a população LGBTQIAPN+ em Maceió;
- Propostas para leis que garantam a visibilidade e inclusão da comunidade LGBTQIAPN+ nos serviços de saúde.
Saúde da População Negra
- Inclusão de temas sobre racismo e saúde da população negra nas formações dos trabalhadores da saúde;
- Fortalecimento da rede de saúde nas periferias e maior participação do movimento negro nas políticas de saúde.
- Criação do Conselho Municipal de Saúde da População Negra e Periférica de Maceió.
Segurança Municipal Cidadã
- Formação da Guarda Municipal no enfrentamento ao racismo e garantia de direitos das minorias;
- Melhorias nas condições de trabalho da Guarda Municipal e na infraestrutura das periferias.
Trajetória política
Ela, que é nascida e criada no bairro de Fernão Velho e hoje mora no Poço para ficar mais próxima ao trabalho, diz que as discussões sobre os direitos dos trabalhadores sempre estiveram presentes em sua casa, já que o seu avô sempre foi sindicalista.
“Essa reflexão sobre formas de resistir e lutar sempre fez parte do nosso cotidiano. No entanto, foi necessário muito esforço e sacrifício da minha família para que eu pudesse estudar, principalmente em escolas particulares, onde fui bolsista como atleta para ter acesso a um ensino de qualidade”.
Ela relata que sempre questionou as dificuldades de se viver em uma periferia. “Por que era tão violento e excludente? Quando ingressei na Ufal entendi melhor essas questões por meio do movimento estudantil, dedicando meu tempo e integrando esse novo mundo de discussões e lutas.”
Ela explica que a Bancada Negra surgiu como uma extensão do Instituto do Negro de Alagoas (INEG) em 2017, como uma resposta à necessidade de ampliar a atuação política além da organização social. “Era preciso participar da vida pública e política da cidade para que essas reivindicações que o nosso movimento fazia fossem efetivadas”, destaca.
O movimento começou com a candidatura de Geysson Santos, um jovem negro da periferia e ligado ao rap, que alcançou grande engajamento nas eleições de 2018. Alycia enfatiza que essa experiência inicial revelou o espaço que existia na política para a representatividade negra e periférica.
Em 2020, Alycia e Geysson se uniram em uma candidatura coletiva, ampliando as pautas para incluir questões LGBTQIA+ e a participação das mulheres na política, transformando a identidade da bancada.
Em 2022, Alycia concorreu ao cargo de deputada federal e consolidou a imagem da importância das mulheres negras na política alagoana.
*Foto de capa: Assessoria/Alycia da Bancada Negra