Segurança alimentar avança, mas fome ainda assombra famílias alagoanas

06/05/2024 06:00 - Especiais
Por Jean Albuquerque
Image

"Na minha casa hoje não havia carne, feijão nem arroz para comer. Não está tudo bem para todos. A situação está se tornando precária. A cada dia, a cada ano que passa, fica mais difícil", lamenta Maria Cícera, de 43 anos, manicure, atualmente desempregada.

Ela é uma das moradoras da comunidade Vale do Reginaldo, localizada no bairro do Poço, parte baixa de Maceió, que reflete a falta de planejamento, expansão desorganizada e fluxo migratório iniciado por volta da década de 1950.

Cícera mora com o marido e seu filho de 16 anos, pagando um aluguel de R$ 300 e dependendo da ajuda do pai, que é aposentado, já que o marido faz "bicos" e não tem emprego fixo. "Meu pai mora em frente à minha casa, eu vivo e dependo dele. Ele que me ajuda, ele que paga meu aluguel".

A dona de casa Rosileide de Lima, de 36 anos, também do Reginaldo, vive com seus dois filhos que têm transtorno do espectro autista (TEA), Emerson, de 7 anos, e Erick, de 6 anos. Ao contrário da manicure, a principal fonte de renda da família é um salário mínimo (R$ 1.412), que ela recebe porque um dos filhos é aposentado.

O pouco que ganha precisa ser usado para pagar aluguel, comprar remédios e fraldas para os filhos. "Vivo com o salário para tudo. É o aluguel da casa, é compra, é remédio, é fralda. Quando tem um médico, eu levo, e tenho que pagar o transporte. Não sobra nada em casa porque faltam coisas para meus filhos. Quando falta, peço dinheiro emprestado aos meus amigos", reclama Rosilene.

Foto: Freepik

Segurança alimentar avança nos domicílios

A realidade de Cícera e Rosilene contrasta com os dados do módulo de Segurança Alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgados em 25 de abril pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o levantamento, o país avançou e a segurança alimentar voltou a crescer nos domicílios brasileiros em 2023.

No último trimestre de 2023, o Brasil experimentou um avanço significativo na segurança alimentar, com 72,4% (equivalente a 56,7 milhões) dos domicílios tendo acesso permanente a uma alimentação adequada.

Esse resultado representa um aumento de 9,1 pontos percentuais em relação à última pesquisa do IBGE sobre o tema, quando apenas 63,3% dos domicílios brasileiros estavam nessa situação.

Em relação a Alagoas, o estado ficou em quarto lugar, com 63,8% dos domicílios particulares permanentes em situação de segurança alimentar, entre os estados do Nordeste. Foi seguido pelo Ceará, com 64,9%, Paraíba, com 64,1%, e Rio Grande do Norte, com 66,6%.

Ações integradas no combate à fome                                                                                  

A professora da Faculdade de Nutrição, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e doutora pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ana Paula Clemente, de 43 anos, integra o Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren) em Alagoas.

Estabelecido em 2001, o Cren tem como objetivo impulsionar mudanças e revitalizar o bem-estar de crianças de 0 a 6 anos e suas famílias. Sua missão abrange o aprimoramento do cuidado completo para pessoas que enfrentam desafios nutricionais variados, incluindo desnutrição, obesidade e carências de micronutrientes.

A organização ainda desenvolve um modelo de tratamento que conta com uma equipe multidisciplinar composta por médicos, nutricionistas, psicólogos, odontologistas, assistentes sociais e enfermeiras, com foco na eliminação da má nutrição.

Sobre o combate à fome no Estado, a professora ressalta que o executivo estadual tem se empenhado para superar as desigualdades, fazendo investimentos em políticas sociais para o enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional. Ela cita o Cartão CRIA, o aumento na aquisição de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar e o Cartão Escola 10, programa de combate à evasão escolar.

"São investimentos necessários para garantir a qualificação para a empregabilidade da população, uma vez que tem havido um aumento na oferta de empregos, seja pela chegada de novas empresas no estado ou pela aceleração do turismo, fato que impactou no aumento da renda per capita do estado", destaca.

A professora ainda defende que é necessário proporcionar oportunidades de acesso aos serviços básicos à população mais vulnerável, como saúde e educação, para reduzir a insegurança alimentar de crianças, adolescentes e famílias alagoanas.

"Para isso, é necessário realizar uma busca ativa dessas famílias, uma vez que a pobreza é multidimensional. Essa estratégia personalizada visa garantir a efetividade do princípio da equidade, ajustando o desequilíbrio de acesso à informação", acrescenta.

A especialista também destaca o Alagoas Sem Fome para combater a insegurança alimentar no estado. Ela explica que o programa tem três frentes de atuação: mobilização da sociedade civil com doações de alimentos e serviços destinados às instituições que atendem à população, ordenamento de todas as políticas públicas existentes e desenvolvimento de novos projetos.

"É fundamental que todos participem desse processo, para que a sociedade civil e o governo caminhem na mesma direção, visando diminuir a desigualdade social existente no Estado", pontua.

Clemente acredita que, para Alagoas avançar no desenvolvimento integral da pessoa e da família, "é necessário qualificar e tornar eficiente a prestação de serviços básicos à população alagoana, melhorando assim a qualidade de vida das famílias. Para isso, é fundamental que os serviços cheguem aos que mais precisam".

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..