Um morto na boca do caixa – e um erro mortal da imprensa brasileira

19/04/2024 00:12 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Na última terça-feira, dia 16, uma mulher foi a uma agência bancária em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro. Erika Vieira Nunes estava com Paulo Roberto Braga, que seria seu tio, um homem de 68 anos. Ele está numa cadeira de rodas. Os dois foram ao banco para sacar um empréstimo no valor de 17 mil reais em nome do cadeirante. Mas na hora de assinar a papelada, ele não move um músculo sequer. Paulo Roberto estava morto.

À noite, todos os telejornais trataram do episódio com uma manchete sombria. Mulher leva um morto ao banco para tirar empréstimo. As imagens não deixam dúvida sobre a situação do homem. Para piorar, Erika age como se estivesse tudo bem, falando normalmente com o cadáver. A polícia e o serviço de emergência são chamados. Exames confirmam o óbito daquele cliente no banco.

Espantoso, sim. Um caso sem precedente, claro. Indignação e revolta como só as redes sociais podem expressar. Repercussão internacional. Erika Vieira, de 43 anos, foi presa em flagrante. O delegado do caso foi taxativo ao afirmar que Paulo Roberto já estava morto quando chegou à agência. A acusada nega e diz que ele estava vivo até ali. A morte teria ocorrido enquanto os dois esperavam pelo atendimento.    

A imprensa reproduziu a versão da polícia como verdade. Mas o laudo do IML, divulgado no fim da tarde de quarta-feira, não autoriza essa afirmação. O perito responsável diz que o óbito ocorreu entre 11h30 e 14h30. Erika e Paulo chegam ao banco às 13h. Para o perito, não há elementos para afirmar se a morte ocorreu no trajeto até a agência. O homem pode ter chegado vivo no local – ao contrário do que o delegado decretou.

Isso muda alguma coisa? Muda tudo. Até os tabloides dos civilizados ingleses chafurdaram nesta versão: a mulher levou um cadáver ao banco. Errado. Este enunciado, segundo os métodos científicos que embasam o laudo do IML, não passa de uma hipótese. É uma especulação. Erika é inocente? Não sabemos. Assim como não sabemos se é culpada. Mas a imprensa não perdeu tempo e a condenou sumariamente.

Além disso, o motorista que levou os dois disse em depoimento que Paulo estava vivo ao chegar à agência. Um motoboy que ajudou a colocá-lo no carro, quando saía de casa, diz a mesma coisa. A defesa da mulher afirma que ela faz tratamento psiquiátrico e usa remédios controlados. Em meio a tantas incertezas, um dado parece evidente: a imprensa errou feio ao sucumbir aos apelos do sensacionalismo. 

Ao longo desta quinta-feira, os mesmos telejornais e o noticiário em geral foram ajustando a descrição dos fatos. Ainda assim, de modo meio acanhado, tentam adequar a realidade à interpretação original que incentiva o linchamento. Nenhum veículo admitiu precipitação – muito menos o erro grosseiro. Gritaria e busca por audiência fertilizam o solo para o triunfo da barbárie. Pior para todos nós.

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