Praia do Gunga deve encolher 63 metros, aponta estudo; IMA fala sobre medidas de contenção e o que pode ser feito

19/08/2023 08:02 - Maceió
Por Alicia Flores
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Em decorrência da intensificação dos efeitos do aquecimento global, as praias de Alagoas, nos últimos anos, têm sofrido mudanças em sua disposição. A principal diferença é a diminuição das faixas de areia, que afetam o litoral de todo o Brasil.

Segundo uma análise conduzida pelo site de hospedagem Hawaiian Islands, baseada em um estudo do Centro Conjunto de Pesquisa da Comissão Europeia, as praias brasileiras são as que mais correm risco. De acordo com o levantamento, a Praia do Gunga, em Roteiro, Alagoas, pode encolher 63,3 metros até o ano de 2100.

O Cada Minuto conversou com Ricardo César, coordenador de Gerenciamento Costeiro do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL), que explicou mais sobre a situação e falou sobre o que pode ser feito para evitar casos mais graves de encolhimento.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Quais são os fatores que levam a essa possível redução da faixa de areia?
Há alguns fatores naturais, um deles é o déficit de sedimento. Principalmente na costa nordestina, nós não temos aporte de areia para as praias. Quem fornece essa areia de sedimento para formação das praias é o continente, através dos rios, que caminham em direção ao mar e transportam água e areia. Essa areia, quando chega no mar, é ‘retrabalhada’ na formação das praias, ajudando em sua formação. Temos um déficit de sedimento, porque nosso sedimento é retirado pela dinâmica costeira e não é reposto. É um dos fatores que começam a erosão marinha.

O segundo fator são as mudanças climáticas, que afetam a elevação do nível dos oceanos. O mar sobe, cresce e invade o continente. Isso se deve, principalmente, ao aquecimento global, que gera uma expansão térmica da água. Outros fatores são os eventos climáticos mais intensos - tempestade, ventos. Isso tudo altera as correntes, aumenta a intensidade das ondas, que dissipam na costa, retiram o sedimento e o mar tende a invadir.

Também temos as causas antrópicas: a ocupação próxima à faixa do mar, onde essa praia começa a erodir e recuar em direção ao continente devido às ocupações. 

As ocupações urbanas ajudam a acelerar o processo erosivo. Há a construção de barragens, como o caso do Rio São Francisco, por exemplo, que jogava muita areia para o mar, mas houve a construção de várias barragens do setor hidroelétrico. Essas barragens criam lagos e, quando a água chega, perde velocidade, porque o rio não transporta só água, transporta sedimento. E, quando chega nesses lagos, perde a velocidade, e o sedimento acaba ficando no fundo destas barragens. Então, no São Francisco, nós temos várias barragens, desde Sobradinho, Paulo Afonso, Xingó, que retêm sedimentos que faltam nas praias.

Há alguma medida que pode ser tomada para evitar esse encurtamento?

Para evitar essa erosão marinha, é preciso trabalhar, a longo prazo, para cessar essas mudanças climáticas que estão gerando o aquecimento global. A outra medida é um planejamento de ocupação que avalie a vulnerabilidade, suscetibilidade, daquela área ao avanço do mar. Para que isso recue as ocupações e permita que o mar invada e construa novas praias. E, também, a alternativa de recomposição de praia, o que chamamos ‘engorda de praia’. Consiste em pegar areia do leito do continente e colocar na praia para recuperar a faixa de areia. Isso foi feito em Balneário Camboriú, Fortaleza, Recife, Jaboatão dos Guajarapes, na praia de Copacabana, também. Já que é inexequível tirar as ocupações da beira-mar, essa é uma forma de recompor as praias.

Quais ações o IMA promove para evitar ou retardar os danos às praias de Alagoas?

Como o litoral de Alagoas tem uma taxa de ocupação muito alta, já está praticamente ocupado em sua totalidade, é preciso buscar intervenções de contenção de erosão, medidas adaptativas. É o que a gente está buscando para conter esse processo erosivo, para evitar o colapso de estruturas urbanas ou patrimoniais. Porque, se esse material colapsa, vai tudo para praia e para o oceano adjacente, gerando uma contaminação nesses ambientes, além de impedir uso, pela população, da faixa recreativa de praia. Estamos buscando algumas alternativas de medidas adaptativas, de obras de contenção, em caráter de urgência. Mas, a longo prazo, acredito que deve-se buscar alternativas de recomposição de praia, com intervenções possíveis de engorda, requalificação de praias. 

E, nas áreas não urbanizadas, fazer um planejamento, verificar pela optimetria da praia a sua vulnerabilidade à projeção de elevação do nível dos oceanos. Já existe uma projeção, a nível global, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), então podemos trabalhar com optimetria e fazer uma previsão de quantos anos o mar vai invadir, e tentar evitar ocupações nessa faixa. Mas é muito difícil porque o litoral do estado é praticamente todo ocupado. Estamos trabalhando agora em urgência, com medidas adaptativas, com obras de contenção de erosão e, mais pra frente, vamos buscar a ativas de recomposição dessas faixas de praia.

Quais outras ameaças representam risco às formações naturais das praias do estado?

Primeiro, é o déficit de sedimento. Esse é fundamental. Não tem areia chegando, está sempre saindo areia e, então, o mar começa a invadir: isso é o processo de erosão. O outro são as mudanças climáticas, a elevação do nível dos oceanos, os eventos climáticos mais intensos, como chuvas, ventos, que geram correntes, ondas, e isso tudo vai dissipar na faixa de praia, que é de areia. Esse material consolidado termina saindo e o mar vai entrando. Também há as ocupações urbanas desordenadas próximas à faixa de praia, que o processo de erosão chega a essas ocupações e não tem mais como formar praia. 

O problema é complexo, não é só a nível do estado de Alagoas, a costa nordestina toda está assim, a costa brasileira, também, em muitos segmentos. E, de forma global, o mar está causando erosão costeira em praticamente todos os países que têm litoral oceânico no mundo. Isso se deve muito a esses fatores, principalmente o nosso litoral, que tem o déficit de sedimento, mas em outros locais, mesmo com o aporte de sedimento, há a elevação do nível dos oceanos, dos rios, e há eventos climáticos mais intensos. 

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