A Prefeitura de Maceió anunciou, como novidade para o São João 2023, a distribuição de fones redutores de ruídos. A iniciativa busca atender às necessidades das pessoas com hipersensibilidade auditiva, com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Desenvolvimento Opositivo (TOD) e Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), a fim de garantir acessibilidade e conforto para todos.
“Nós autistas existimos, precisamos ser incluídos”
Ao CadaMinuto, a bacharel em direito e autista Michelle Jatobá disse que a ação é o "início de muitas adaptações e iniciativas de inclusão e bem-estar para todos".
Segundo a bacharel em direito, a medida incentiva a inclusão nos ambientes, não somente das pessoas com TEA e hipersensibilidade auditiva, mas também de suas famílias.
“Antigamente, pouco se falava e se via autistas em ambientes de festas e shows. Afinal, ser diferente é normal e autista não tem um fenótipo para ser identificado pela cara. Nós, autistas, existimos, precisamos ser incluídos e ter nossos direitos respeitados”, pontua.
Ela explica que sempre gostou de frequentar, desde a adolescência, shows de bandas de rock, como Fresno, NXzero, Pitty e CPM22, e que carrega consigo um abafador de ruído simples, além de um objeto que manipula com as mãos para fins de autorregulação.
Michelle enfatizou que a participação no São João sempre foi difícil para ela em função da fumaça, dos fogos e da superlotação dos locais, mas que a medida deste ano a incentivou a ir.
“Ano passado, eu queria muito ter ido a vários eventos do São João e não consegui ir devido ao barulho e ao ambiente lotado. Porém, este ano, estou empolgadíssima para conseguir ver o Alok junto com meu filho, que também é autista e queria ter ido no ano passado”.
“Estou achando o máximo a inclusão, com intérprete de Libras, fones abafadores, inscrições para evitar superlotação nos lugares reservados para PCD. Dá para a gente perceber o carinho e o cuidado com detalhes para nos sentirmos bem em um local que é incomum para muitos”, salienta Michelle.
A bacharel em direito faz um apelo para que os fogos de artifício sejam proibidos. “Por favor, retirem os fogos de artifício com estampidos, são desnecessários não só para nós, autistas, como também para os idosos, animais e demais pessoas com alterações neurológicas e sensoriais”.
"Não sejam capacitistas"
A professora Luciene é mãe de uma criança com autismo e está em investigação para autismo. Para ela, a medida implementada será um ponto de promoção na inclusão dos portadores de autismo e de seus responsáveis, que muitas vezes não conseguem frequentar locais de lazer devido à alta demanda do tratamento.
Luciene conta que sempre teve vontade de participar de eventos como o São João, mas que as circunstâncias desses shows tornam a presença dela e do filho inviável no modo comum.
“A hipersensibilidade auditiva dele, diagnosticado com autismo, torna inviável a permanência em locais com muitos estímulos sonoros e visuais. Além disso, a presença em locais lotados é geradora de crises e desorganização”, pontua a professora.

Para Luciene, a disponibilidade de fones redutores de ruídos e do camarote inclusivo viabilizam a permanência em locais com muito estímulo sonoro.
Ela sugere, em sua fala, que o camarote não seja colocado tão próximo do palco e tenha cobertura para proteger da chuva. “É necessário também uma campanha de conscientização para que as pessoas respeitem tal iniciativa e não promovam o capacitismo em seus discursos e entendam que todos possuem o direito de estar em todo e qualquer lugar”, argumenta Luciene.
“Ambiente mais acolhedor e inclusivo”
O ativista, músico e influenciador digital Lucas Sampaio diz, ao Cada Minuto, que a medida pode promover uma maior inclusão em eventos festivos, pois permite que pessoas com hipersensibilidade auditiva participem desses eventos sem se sentirem sobrecarregadas pelo ruído excessivo.
“Isso ajuda a criar um ambiente mais acolhedor e inclusivo para todos os participantes, independentemente de suas necessidades sensoriais”, ressalta o ativista.

Lucas argumenta que “a iniciativa da Prefeitura de disponibilizar fones redutores de ruídos pode ser um passo positivo na direção de atender às necessidades das pessoas com hipersensibilidade auditiva, incluindo nós, pessoas com autismo”.
O músico conta que não tem tanto o costume de frequentar locais com muita aglomeração e barulho, mas quando vai em algum deles, está sempre acompanhado dos fones de ouvido e recursos que estimulem a autorregulação pelo seu smartphone.
“De vez em quando, frequento casas noturnas daqui de Maceió, acompanhado de minha namorada Laura Simões. Quando estou com ela, tudo fica mais leve, fazendo com que muitas vezes fiquemos no local até o final dos shows”.
Ele explica que a medida o incentivou a frequentar mais eventos, como o São João, pois o aumento da circulação de informações sobre o autismo e a hipersensibilidade sensorial tem contribuído muito para o surgimento de medidas de inclusão e conforto para o nicho.
O influenciador digital propõe que, além da medida adotada pela Prefeitura de disponibilizar fones redutores de ruídos, outras iniciativas podem ser consideradas para promover uma inclusão ainda maior, como uma área de descanso ou uma zona coberta para colocar temporariamente aqueles que se encontram em determinado estado de sobrecarga.
O que diz a especialista?
A neuropsicóloga Fabiana Lisboa explica ao CadaMinuto que os fones redutores de ruídos contribuem para que os sons que incomodam pessoas com TPS possam ser abafados, a fim de que essas pessoas possam participar de um show, interagindo com amigos e familiares, sem que haja danos ou desconfortos a ponto de fazer com que essas pessoas se afastem e percam o direito de participar desses movimentos.
Fabiana esclarece que todo mundo tem algum tipo de incômodo sensorial, mas que, para considerar um transtorno sensorial, é necessário haver uma intensidade que prejudique de forma contínua as atividades do dia a dia, as interações sociais, assim como também interferir em algumas habilidades, sejam elas acadêmicas ou motoras.
“Pessoas hipersensíveis captam as informações do ambiente muito mais intensamente. Os ruídos e esses barulhos trazem incômodos substanciais que acabam prejudicando seu acesso e permanência em alguns ambientes”, pontua a especialista.

Em sua opinião, não é trancando as pessoas com TPS que será trabalhada uma sociedade mais inclusiva, mas sim adequando o meio às necessidades desses indivíduos.
“Não são as pessoas com deficiência ou com transtornos que precisam se adequar ao meio, mas é o meio que precisa se transformar”.
Para Fabiana, a proposta dos fones é uma iniciativa inovadora e extremamente importante, mas é apenas um ponto inicial para o que ainda se espera da inclusão. “Apenas o fone não irá resolver, mas é um pontapé inicial. É necessário que se faça isso e que esses serviços sejam prestados às pessoas que necessitam. A inclusão não é feita por um único ponto específico, mas por um conjunto de ações, além da conscientização da nossa própria comunidade”, argumenta a neuropsicóloga.
Sugestões de novas medidas pelos entrevistados:
- Banco de dados atualizado com as características como sensibilidade à luz, som, seletividade alimentar;
- Liberação para levar comida em caso de seletividade alimentar;
- Óculos de sol ou viseira para quem possuir sensibilidade a luz;
- Adaptação próxima de barraca de lanches e bebidas ao local que fique os PCD, além de banheiro adaptado para PCD;
- Retirar os fogos de artifício com estampidos;
- Área de descanso;
- Zona coberta para caso de estado de sobrecarga;
- Ingressos especiais/ Horários específicos;
- Shows reduzidos com menor estímulo sensorial.
*Estagiária sob supervisão