As demissões de jornalistas na Globo e a decadência da grande reportagem

01/12/2021 11:42 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Primeiro vamos começar pelo que Nelson Rodrigues chamaria de óbvio ululante: a imprensa vive um processo de transformação inédito em toda a sua história. Começou em algum momento a partir dos anos 1990, com a estreia da internet. Mais de duas décadas depois, a sucessão de terremotos parece não ter fim. Quando você acha que pintou algo no limite do extremo nessa onda, mais um capítulo se abre, com novidades que exigem atenção. Por aí.

Estou pensando na demissão de vários repórteres da Globo. Todos veteranos. Alguns nomes que marcaram o telejornalismo brasileiro nas últimas décadas. Pelo que se sabe, é economia. Simplório assim. A emissora está se livrando de salários acima dos 100 mil reais por mês que eram pagos a profissionais com produção, hoje, mínima.

Mas estamos diante de algo mais complexo, camadas acima do rudimentar aspecto financeiro. As demissões de Renato Machado, Francisco José, Isabela Assumpção, Alberto Gaspar e Ari Peixoto, entre outros, representam o fim de uma era no jornalismo brasileiro – e para esse jornalismo, é inegável, a Globo modelou régua e compasso. 

Antes de seguir com as especulações, lembro ainda que, dia desses, Marcos Uchôa pediu pra sair. Tino Marcos também. O correspondente Luiz Fernando Silva Pinto saiu em 2020. Pouco anos atrás, a Globo dispensou André Luiz Azevedo e Tonico Ferreira. Em comum, a faixa de idade, entre os 60 e poucos e os 70 e tantos.  

Entre os afastados agora, mais um nome de peso e uma lenda. Após dezenas de reportagens investigativas, o repórter secreto Eduardo Faustini deixa de contar suas histórias no Fantástico. Com ele, o programa emplacou o quadro Cadê o dinheiro que tava aqui, sempre com episódios de corrupção medonha com os cofres públicos país adentro.

A lenda que perde o emprego é José Hamilton Ribeiro, quarenta anos de Globo Rural e a cobertura da guerra do Vietnã. E não poderia deixar de fora o nosso Marcio Canuto, afinal, sem ele no time, a Globo perde um craque em todas as posições, um mestre.

Para além do tempo de estrada, da questão salarial, da decisão da Globo – legítima – de renovar o quadro, paira uma sensação de “decadência”. Uso aspas aí atrás porque não tenho certeza se é a melhor tradução do que penso. Me vem a palavra, talvez, porque a boa e velha reportagem, esta sim, como tanto se diz por aí, esteja mesmo em decadência. 

E soa estranho que a maior emissora do país abra mão, numa tacada só, de uma turma que é, essencialmente, uma turma de repórteres. E que repórteres! Sem essa figura, atuando na plenitude das possibilidades, pode esquecer o jornalismo. E para que haja atuação plena é preciso, agora sim, grana para investir pesado.

O desafio é viabilizar o negócio economicamente. Os novos tempos, em todos os sentidos, impõem mais criatividade e ousadia, é claro. O velho “corte de gastos” não opera milagres na qualidade do que se produz. Se ficar por aí, é ladeira abaixo.

As demissões na Globo insinuam uma mensagem ruim, de opção pelo barateamento de produção, com a resignada aceitação de resultado bem, bem mais ou menos... Com essa receita, a grande reportagem vira brincadeira com a assinatura luxuosa de jornalistas engraçadinhos. É um padrão já bem antigo.

Tomara que essas impressões estejam cem por cento erradas. Tomara que novos nomes façam um trabalho à altura da velha guarda que está indo embora. Não é fácil de jeito maneira. Não é tarefa para qualquer Rodrigo Bocardi, entende?

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