Arranjos Regionais de Saneamento e Regiões Metropolitanas: um novo caminho para o saneamento no Brasil

28/06/2021 23:16 - Accountability - George Santoro
Por redação

O desenvolvimento da regionalização do saneamento no Brasil vem sendo debatido desde os tempos da formulação do Plano Nacional de Saneamento (Planasa) no início dos 1970. Infelizmente, há pouco tempo foi consolidado o entendimento jurídico pelo STF, nas ADIs 1841 e 1842. Nelas, o STF adotou o entendimento pela Constitucionalidade das Leis Complementares instituidoras das Zonas Metropolitanas, pois o interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal, na forma prevista no art. 25, §3º, da Constituição Federal. O mencionado interesse não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. 

O interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam a mais de um município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços supra municipais. O caráter compulsório da participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já havia sido acolhido pelo Pleno do STF em diversos julgados.

A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal. Nesse sentido, foi muito feliz o novo marco regulatório do saneamento - lei n°14.026, pois estimula não só o uso de soluções de saneamento dentro da região metropolitana, mas também em arranjos regionais. Dessa forma, teremos economias de escala, bem como um uso mais racional dos recursos hídricos, convergente com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, pois possibilita que municípios com indicadores socioeconômicos mais baixos possam também atrair investimentos ao serem associados a cidades maiores ou regiões metropolitanas.

Imagem retrata esgoto sem qualquer tratamento jogado em mananciais fato cotidiano na grande maioria das cidades brasileiras

Num país tão desigual como o Brasil a formação de blocos regionais irá propiciar o desenvolvimento de projetos de saneamento que ajudarão a superar desigualdades locais e regionais e desafios tornando possível a atração de investimento privado pela possibilidade de se ter operações mais rentáveis e que respeitem conceitos de sustentabilidade. A criação de qualquer infraestrutura requer escala de operação. Dessa forma, arranjos regionais podem ser uma solução muito importante para levar investimentos para regiões mais carentes do Brasil.

Alagoas, Rio de Janeiro e Amapá já utilizaram deste mecanismo. Os dois primeiros com elevado sucesso e o último aguarda a realização de seu leilão. A utilização de agrupamentos, seja em regiões metropolitanas, seja em unidades regionais de saneamento, podem ser replicados em todo o país, desde que obedeçam às premissas mínimas, sendo a principal delas a caracterização de que os serviços de saneamento são de interesse comum dos municípios e do estado. 

E isso pode ser verificado de diversas formas e a mais evidente é o compartilhamento de infraestruturas por várias cidades constantes no bloco, como tubulações que atravessam vários municípios. Os sistemas de abastecimento de água dependem diretamente dos mananciais – rios, poços e lagoas - que alimentam as estações de tratamento, reservatórios e redes de distribuição. Já os sistemas de esgoto, que só existem se houver água de abastecimento, fazem o caminho inverso, coletando as águas residuais e direcionando-as de volta, geralmente, aos rios, lagoas ou o mar.

Assim, a solução adotada no bloco da Região Metropolitana de Maceió, além de aspectos socioeconômicos e jurídicos, apresenta claramente características de interdependência técnica das soluções de abastecimento e esgotamento sanitário face às concepções de universalização dos serviços e da segurança hídrica do abastecimento que só serão alcançadas com captações de água no Rio Pratagy e no Rio Meirim em pontos situados no município de Rio Largo. Nestas mesmas bacias ocorrerão as captações para Messias e Rio Largo. Por outro lado, as águas da represa do Catolé, situada em Maceió, serão usadas para o abastecimento dos municípios de Satuba e Santa Luzia do Norte.

Desta forma, exemplifica-se, entre outras situações, a clara interdependência nas soluções de abastecimento dos municípios da Região Metropolitana de Maceió quanto ao abastecimento de água. Da mesma forma, no saneamento buscou-se uma solução para a poluição da Lagoa do Mundaú, em cujas margens encontram-se os municípios de Maceió, Santa Luzia do Norte e Coqueiro Seco e Maguaba, que banha os municípios de Pilar e Marechal Deodoro. Para isso, é fundamental uma política de tratamento de esgotos comum para permitir a recuperação e despoluição destes mananciais históricos do Estado de Alagoas.

Este conjunto de soluções integradas resultarão em um cenário de menor custo de implantação das estruturas de captação de água, menores custos de operação dos sistemas, maior segurança hídrica e melhor resultado na recuperação de ambientes degradados, como é o caso das Lagoas do Mundaú e Manguaba, apresentando assim um ganho evidente quanto à economicidade das soluções regionalizadas.

Portanto, este tipo de solução consagrada pelo STF e estimulada pelo novo marco regulatório do saneamento pode mudar o a situação vergonhosa do Brasil de possuir apenas 49% da sua população com cobertura de saneamento, impedindo a cobiça de soluções mirabolantes e marketeiras tão comuns no passado que tanto desperdiçaram o dinheiro público suado dos brasileiros construindo soluções estruturantes e com economicidade.

George Santoro

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