
Desde dezembro de 2021, o Brasil assiste a uma transformação no futebol profissional: vários clubes que tradicionalmente operavam como associações sem fins lucrativos passaram a adotar o formato de Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
O Cruzeiro foi pioneiro, ao registrar seu novo CNPJ como SAF em 6 de dezembro de 2021. Poucas semanas depois foi a vez do Cuiabá e o Botafogo-SP converterem-se no modelo empresarial, sendo esses o trio inicial de clubes que implementaram a nova estrutura jurídica no País.
Essas três primeiras SAFs provocaram grande expectativa sobre a profissionalização da gestão, o controle de gastos e a atração de investimentos. No entanto, nem todo projeto deu certo: o Vasco da Gama, que em agosto de 2022 vendeu 70% de sua SAF ao fundo norte-americano 777 Partners por R$ 700 milhões, viu o aporte prometido jamais se concretizar, acumulou queda de caixa e entrou em disputas judiciais para retomar o controle. Esse episódio expôs os riscos da pressa na escolha de investidores e as armadilhas de uma governança ainda em amadurecimento.
Além dos clubes tradicionais, o Brasil também começa a presenciar a criação de SAFs com foco exclusivo na formação e venda de jogadores, um modelo semelhante ao que ocorre em mercados como a Bélgica e a Croácia. Um exemplo recente é o XV de Piracicaba, clube paulista que criou sua SAF com o objetivo principal de atrair investidores interessados em captar e desenvolver talentos do interior, revendendo-os para grandes centros. Outro caso é o da SAF do Cianorte-PR, cuja operação está estruturada em torno da prospecção de jovens atletas e na negociação de seus direitos econômicos, mais do que em disputar grandes campeonatos.
Esse modelo de SAF “formadora” abre uma nova frente de negócios no futebol brasileiro, especialmente em regiões com tradição de revelar atletas, mas sem fôlego financeiro para manter elencos competitivos. Embora possa gerar retorno rápido aos investidores, esse tipo de estrutura exige regulamentação cuidadosa, para evitar que clubes se tornem apenas “produtores de mercadoria”, com pouca preocupação com a formação integral dos jogadores ou com o impacto social de sua atuação local.
Nesse cenário, Alagoas desponta como um terreno fértil para o desenvolvimento de SAFs voltadas à formação de atletas. Afinal, Alagoas teve Zagallo, Dida, Pepe, Firmino, Aloísio Chulapa, Marinho e tantos outros. O estado possui uma ampla rede de escolinhas de futebol, talento natural nas periferias urbanas e zonas rurais, além de uma paixão popular consolidada pelo esporte. A implantação de SAFs regionais com foco na base poderia transformar o futebol em vetor de desenvolvimento social e econômico, criando oportunidades para jovens em situação de vulnerabilidade, gerando empregos diretos e indiretos, movimentando o setor de serviços e atraindo capital nacional e estrangeiro.
Com estrutura adequada, parcerias com o setor educacional e incentivo público à formalização, essas SAFs formadoras poderiam atuar como plataformas de mobilidade social, revelando talentos que, hoje, muitas vezes se perdem por falta de acesso ou apoio. O sucesso de uma SAF em Alagoas não se mediria apenas em gols ou transferências milionárias, mas na capacidade de transformar realidades locais, dando novo sentido ao futebol como instrumento de inclusão, educação e renda.
Em suma, o fenômeno das SAFs no Brasil é parte de um movimento global de corporativização do futebol, que promete mais transparência, governança estruturada e fôlego financeiro — mas que carrega, igualmente, o desafio de conciliar interesses de mercado com a paixão e a identidade das torcidas. O sucesso desse modelo, daqui por diante, dependerá da escolha criteriosa de parceiros, da solidez dos planos de investimento e da capacidade dos clubes — inclusive os de menor expressão — de manter viva a sua essência dentro de uma nova lógica empresarial. Para estados como Alagoas, pode ser a chance de unir esporte, economia e inclusão em um único projeto de futuro.
George Santoro