Se toda vítima do coronavírus tem nome, cadê o CPF?

25/03/2021 18:28 - Filipe Valões
Por redação

A matemática é a linguagem de Deus. Essa frase costuma ser atribuída ao cientista Galileu Galilei, embora não exista comprovação disso em seus trabalhos. Ainda assim, a afirmação se popularizou e, para aqueles que acreditam em um Criador do universo, faz sentido. Números representam a verdade, estabelecem confiança e segurança, desde que o ser humano os utilize corretamente.

E são os números que estão no centro da mais recente polêmica envolvendo o governo federal e a pandemia do Coronavírus no Brasil. O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, acaba se de ser empossado e já teve sua primeira turbulência, ao aprovar e logo depois desaprovar, a exigência do registro na certidão de óbito de vítimas do Covid-19 daquele que é o nosso “nome” em forma de números, o CPF.

Pra entender a celeuma, não podemos ignorar outros números, os da contagem de mortos pela pandemia que já desestabiliza o mundo inteiro há mais de um ano. Essa semana, a informação assustadora é de que mais de 310 mil brasileiros já morreram em decorrência de complicações causadas pelo vírus. Uma marca tão angustiante pelos que se foram, quanto pelo questionamento “e quantos mais ainda vão morrer?”, já que não vemos perspectiva de melhoria nessa guerra.

O governo federal tem sido duramente criticado, por conta de suas ações (ou falta de…), além de uma sucessão de posicionamentos e decisões contrárias às recomendações de isolamento, distanciamento, cuidados pessoais e até mesmo dos métodos que a maioria dos médicos seguem. Portanto, a crescente quantidade de internamentos e mortes cai na conta do presidente Bolsonaro, figura central e simbólica do negacionismo de milhares que tropeçam em suas próprias contradições, como o próprio Jair (que já se mostrou antivacina e antivacinação, mas postou foto informando que sua mãe recebeu a vacina), incentivando comportamentos que só pioram a situação que enfrentamos.

Eis que o novo ministro da saúde estabeleceu uma mudança na forma como os estados e municípios informam a quantidade de mortos pela pandemia. No relatório, ele exigiu a inclusão do CPF das vítimas. E a reação dos responsáveis não foi nada boa…

De acordo com secretários de saúde estaduais e municipais, isso criaria uma complicação por dois motivos, a falta de um campo onde se informaria o CPF e o próprio ato de ocupar funcionários da saúde com a coleta/inserção deste novo dado. “NOVO”?

Me corrijam se eu estiver errado, mas a única forma de uma certidão de óbito não ter um CPF é se o finado for indigente, confere? E, embora certamente existam casos de indigentes vitimados pelo Coronavírus, não é concebível que a maioria das mais de 300 mil pessoas que morreram não tenham seu CPF consigo ou ao menos informado por familiares, no local de atendimento onde a morte ocorreu.

Há mais de um ano de pandemia, não tínhamos esse dado tão indispensável sendo fornecido pelos Estados e Municípios ao Ministério da Saúde, dado esse que é composto pelos números do CPF, junto com os relatórios que basicamente passavam… NÚMEROS? Dizer que determinada quantidade de óbitos pelo Covid-19 aconteceu em um dia, sem comprovar nome e CPF de cada vítima, é aceitável?

Nessa equação, entrou também outro número, o dos opositores de Bolsonaro. Imediatamente, nas redes sociais, surgiram acusações de que exigir o CPF, agora, criaria atrasos na atualização dos números de óbitos, o que serviria para criar uma noção errada de redução dos casos. Os responsáveis à níveis estadual e municipal também se queixaram, alegando dificuldades para conseguir CPFs, em meio ao caos da superlotação de hospitais e postos, além de uma aparentemente custosa readequação dos formulários.

O resultado dessa conta é que o ministro revogou a decisão, deixando de lado a exigência do CPF nos relatórios diários de mortes. Mas, sejamos sinceros, deixemos de lado ideologias, por um momento apenas vamos encarar a realidade sem a necessidade de estar na torcida bolsonarista ou na antibolsonarista… A quem interessa não informar o CPF de quem morreu vítima da pandemia?

Sabemos que a corrupção existe, não sumiu diante do Coronavírus, pelo contrário. Vários casos revoltantes de fraudes e desvios, roubos que tiram de muitas pessoas a chance de sobrevivência, ocorreram e estão ocorrendo. Quanto mais garantias e fiscalização, menos golpes acontecerão. E a principal exigência é ter a documentação clara, o registro sem falhas, de todos os números da pandemia.

Números não mentem, pessoas sim. E se existe o risco de vermos os esforços comprometidos pela possibilidade de mentiras por parte de pessoas desonestas, como rejeitar uma forma de garantir a verdade?

Cada morte, como tem sido dito, é mais do que um número. Mas também é verdade que, se cada vítima tem nome, também tem CPF.

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