Hoje é o aniversário do Seu Antonio,mas,ele está morto.

20/09/2020 13:19 - Raízes da África
Por redação
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Se vivo estivesse, Seu Antonio, o mestre funileiro, meu pai estaria completando 90 anos e a gente brinca dizendo que ele já era "rabujento" aos 70, imagina como seria aos 90.

Meu pai está morto, mas, vive em mim, todos os ensinamentos de dignidade e honestidade que carregava na sua bagagem vinda do interior do estado, de Matriz de Camaragibe.

Meu pai era funileiro e serralheiro um  autodidata, artífice  primoroso no que produzia, um artista inventivo e  poderoso.  

Meu pai era um sujeito imperfeito de uma delicadeza brutalizada pela vida,e  rudeza de gestos   mas, que equilibrava o eixo da família. Hoje esse equilibrio faz uma falta danada.

Eu sempre sonhei em aprender sua arte, mas, com o   machismo entranhando, por gerações  afirmava que não era “coisa de mulher”. E nada aprendi sobre funilaria e serralharia. Resta a frustração.

Meu pai era um sujeito de aconselhamentos  rudes. Me chamava de Sinhá Arísia e minha filha da "filha da sinhá Arísia".

“Sinhá, Arísia não aceite favores. Se alguém der um prato de comida, em troca lave o prato, ou  se ofereça para um outro serviço, como pagamento”-dizia o velho.  

Foi  pelos olhos semi-analfabetos do meu pai que aprendi a ler as metáforas cotidianas e interpretar o mundo.  

Foi com meu pai, semi letrado que aprendi o gosto pela leitura e pela escrita de letras que dialogam com o tempo. Palavras atemporais.

Muito do que sou, do caráter construído e da chatice acumulada foi observando meu pai, que até tentou gostar de cerveja,( para me agradar),  mas, achou uma “bicha” muito amarga.

Meu pai começou a morrer em uma dia de domingo, faz um tempo longo que nem lembro mais e , logo foi renascendo aos poucos, nas lembranças que guardo numa mala cerebral abarrotada de afetos.

Feliz Aniversário, Seu Antonio. Alda Barros, sua Zefa, companheira de tantas jornadas está bem, dentro das possibilidades. Fique bem também, de uma forma ou de outra   a gente vai remendando  os retalhos da colcha-vida.  

Abenção, meu pai!  

 

 

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