Angélica Basthi escreveu um livro "Pelé: Estrela Negra em Campos Verdes" e nos tempos atuais vale uma releitura. 


(...) O público está acostumado com o rei Pelé distante da problemática racial no Brasil. Até porque a verdade é que ele nunca se envolveu diretamente com o problema racial deste país. Mas isso não significa que ele não tenha enfrentado problemas de racismo ao longo da sua trajetória. Abordo também sobre o momento que o Pelé percebeu como sua figura negra era carregada de um simbolismo que ia para além da riqueza e da fama acumuladas pelo talento no futebol. Na Copa de 1958, por exemplo, era um homem negro e um herói nacional, mas era retratado com uma matéria de cunho racista. Uma reportagem afirmava sobre a passagem do jogador, então com 17 anos, pela Suécia: "Ao ver Pelé, a criança loura solta a mão da babá e corre chorando: mamãe, mamãe, ele fala". Ou seja, uma indução grotesca ao estereótipo do homem negro primitivo, selvagem e animal.
Pelé foi emblemático para o resgate da autoestima do negro no Brasil. Era a primeira vez que um negro era fonte de orgulho nacional e referência no mundo. Quem afirma isso é o José Jairo Vieira, que tem uma tese de doutorado sobre a participação dos jogadores negros no futebol brasileiro. Pelé representava a possibilidade do homem negro simples e um trabalhador honesto e sem vícios vencer na vida. Isso num ambiente absolutamente contraditório e controverso gerado pelo racismo à moda brasileira. Na época, a ideologia do branqueamento já começava a ser confrontada pelas ideias de Gilberto Freyre e pelos resultados do trabalho de pesquisadores, como Florestan Fernandes, contratados pelo Projeto Unesco. Mais tarde, Carlos Hasenbalg realizaria um novo marco na interpretação desta questão ao afirmar que o preconceito e a discriminação raciais vinham adquirindo novas funções e significados na estrutura social desde a escravidão. Na prática, os jogadores negros continuavam enfrentando barreiras visíveis e invisíveis geradas pelo preconceito racial. Mas a imagem de Pelé também contribuiu para a ideia de um Brasil que deu certo ao personificar o jogador negro que ascendeu socialmente. De certa forma, ele também representa nossas contradições.


Fonte:https://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u655011.shtml