O CadaMinuto Entrevista desta semana, conversou com o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT), em Alagoas, Rafael Gazzaneo, que afirmou que trabalho remoto necessita de regulamentação.
O procurador explicou que o a prática já existia, mas que devido ao isolamento social, provocado pelo novo coronavírus, acabou tomando uma proporção muito maior, mas enfatizou que a regulamentação, desse formato, deve ser uma preocupação de todos aqueles que lidam com o mundo do trabalho.
“O trabalho remoto praticamente não tem um disciplinamento na nossa legislação e alguns aspectos, a meu ver, precisam de normatização. Não é porque o trabalho está sendo prestado remotamente, por exemplo, que o empregado tem que trabalhar fora dos horários estabelecidos”, alertou.
Rafael Gazzaneo, explicou como o MPT tem atuado em meio a pandemia, a fim de que direitos e deveres sejam garantidos e aproveitou o ensejo para homenagear aqueles que tem lutado bravamente na linha de frente, no combate a Covid-19, no estado.
Confira a entrevista:
Como tem sido as ações do Ministério Público do Trabalho (MPT) em meio a pandemia? O número de denúncias cresceu? Qual o saldo?
A atuação do Ministério Público do Trabalho é fundamentada basicamente nas denúncias que chegam ao seu conhecimento. Até o dia 2 de julho, foram registradas aproximadamente 450 denúncias que estão sendo ou já foram processadas, e estão sob a condução dos nossos procuradores. Dessas denúncias, foram originados 116 inquéritos civis, 28 pedidos de mediação e 8 procedimentos promocionais que estão em andamento. Além disso, há as ações civis públicas que já foram ajuizadas com base em parte dessas denúncias.
Qual avaliação que o senhor faz de um cenário pós pandemia, para o mercado de trabalho?
O mercado de trabalho certamente, após a pandemia, vai sofrer algumas alterações. No curso da pandemia, por exemplo, observamos que as negociações coletivas de trabalho não tiveram foco nos reajustes salariais, exatamente em função da pandemia. Essa questão ficou em segundo plano, e o que a gente observa é que os acordos e convenções coletivas de trabalho que foram firmados nesse período estão prevendo reajustes abaixo da inflação, mas não creio que esse panorama continue. A economia já dá sinais de reação, a partir do corrente mês, e é natural que após o período da pandemia as negociações coletivas devem resultar em acordos e convenções que recuperem, pelo menos, a inflação do período.
Além da questão dos reajustes, é importante observar que os acordos e convenções que foram firmados nesse período foram exatamente aqueles que autorizam a suspensão dos contratos de trabalho e, sobretudo, as reduções salariais concomitantemente com a redução das cargas horárias. Essas medidas resultaram na redução do número de desempregados, na medida em que as empresas que optaram por essas soluções estão proibidas de promover rescisões de contrato de trabalho. Então, o resultado positivo das convenções e acordos coletivos que foram firmados com esse objetivo de reduzir os salários e a carga horária é que, pelo menos, conservaram os empregos.
Mas, ainda assim, o número de desempregados aumentou. Antes da pandemia, a quantidade de desempregados girava em torno de 12 milhões, mas, após esse período, fala-se que o número deve chegar até a 20 milhões de desempregados.
Acredita que foi preciso que a pandemia surgisse para que algumas questões envolvendo servidores públicos pudessem chamar atenção dos gestores?
Não observamos no serviço público, de forma geral, uma alteração radical durante a pandemia, uma vez que boa parte dos serviços puderam ser prestados via trabalho remoto. Então, naquelas unidades do serviço público em que isso é possível, verificou-se que o trabalho não deixou de ser executado, embora remotamente. Já nas atividades essenciais, há a obrigatoriedade do comparecimento do servidor público e, nesse contexto, o trabalho teve que ser necessariamente prestado de forma presencial e são exatamente esses profissionais do serviço público que estão na linha de frente do combate à pandemia. Chamo a atenção, naturalmente, para os profissionais de saúde, para os profissionais que trabalham no sistema penitenciário e trabalhadores de outras categorias.
Então, esses servidores públicos praticamente não tiveram alteração radical na prestação do serviço, a não ser a exposição maior ao vírus. A gente aproveita a oportunidade para homenageá-los porque, de qualquer forma, eles executam trabalhos considerados essenciais e que a sociedade não pode prescindir desses serviços.
Existe alguma unidade de saúde no estado que desde o início da pandemia tem tido uma atenção especial nas fiscalizações? Por qual motivo?
No início da pandemia, a maioria das unidades de saúde apresentava problemas, principalmente relacionados ao fornecimento de equipamentos de proteção individual, os EPIs. É um cuidado especial que o MPT em Alagoas tem com a saúde desses servidores públicos e demais trabalhadores.
Com o passar do tempo, a situação foi melhorando, ainda observamos problemas, passados mais de três meses do início da pandemia, mas, indiscutivelmente, ocorreram avanços. No entanto, uma unidade que ainda continua apresentando problemas preocupantes é a maternidade Santa Mônica, vinculada à Universidade Estadual de Ciências da Saúde. Recentemente, fizemos uma inspeção na maternidade e ficou constatada a ocorrência de sérios problemas em relação ao fornecimento de EPIs e a sua estrutura física, colocando em risco não só a saúde e a segurança dos trabalhadores, mas também dos usuários que procuram aquela maternidade e dos bebês que nascem sob os cuidados da unidade de saúde.
Como avalia as ações do Governo Federal em apoio ao trabalhador neste momento?
Em relação ao Ministério da Saúde, é sabido que o Governo Federal deixou muito a desejar nesse ponto. Para se ter uma ideia, três ministros da Saúde já passaram pela pasta nesse período e há uma quantidade expressiva de militares ocupando postos-chaves no Ministério da Saúde, quase todos eles sem qualquer formação técnica e experiência na área de saúde, sem falar dos maus exemplos que partem do presidente da República em promover e participar de aglomerações, de protestos, sem fazer uso de máscara em eventos públicos. Então é lamentável como o Governo Federal conduz a coordenação nacional de todo o trabalho de combate à Covid-19.
Por outro aspecto, com relação especificamente ao mercado de trabalho, as medidas provisórias que foram editadas pelo Governo Federal têm dado uma resposta razoável às necessidades da população. As MPs que previram a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, a possibilidade de antecipação de férias e feriados e a MP que permite a redução de jornada adicionada à redução dos salários foram medidas que permitiram que o desemprego não atingisse níveis absurdos. Foram medidas acertadas, a meu ver, que reduziram os efeitos da pandemia em relação à classe trabalhadora. Isso sem falar, obviamente, na ajuda emergencial que foi dada aos trabalhadores autônomos, que compõem um contingente de aproximadamente 40 milhões de brasileiros e que foram socorridos por uma ajuda emergencial fornecida pela União Federal.
É bem verdade que o Governo Federal, em um primeiro momento, não pretendia pagar a quantia de 600 reais, mas o Congresso Nacional entendeu a gravidade do problema e aprovou uma legislação que atende, pelo menos de maneira emergencial, a necessidade de cobrir esse vácuo em relação aos trabalhadores autônomos, que não tinham como laborar nesse período da pandemia, tendo em vista praticamente o desaparecimento da economia real.
Qual a sugestão que o senhor daria para os gestores públicos, no quesito retomada da economia, já que será complicado?
Entendemos que o trabalho remoto e a chamada digitalização da economia é um fato que deverá perdurar após a pandemia. O trabalho remoto já existia, mas ele tomou uma proporção muito maior durante esse período em que vigorou uma recomendação de distanciamento social. Então, deve ser uma preocupação de todos aqueles que lidam com o mundo do trabalho em tentar regularizá-lo porque o trabalho remoto praticamente não tem um disciplinamento na nossa legislação e alguns aspectos, a meu ver, precisam de normatização. Não é porque o trabalho está sendo prestado remotamente, por exemplo, que o empregado tem que trabalhar fora dos horários estabelecidos. O empregado não pode ser cobrado através dos meios digitais fora dos horários de trabalho, então é algo que veio para ficar e que vai precisar de alguma regulamentação. Então, são esses aspectos que acho que devem preocupar os gestores e os legisladores a partir desse momento.
*Sob supervisão da editoria e com assessoria