Sobre racismo no futebol, ou a revolta da chibata do ex-jogador Paulo César, nos idos de 1970. O que mudou de lá pra cá?
"Nos anos 1970, por não atender às expectativas normativas suscitadas pelo estereótipo do “bom negro”, Paulo César Lima foi classificado como “jogador-problema”. Responsabilizado pelo fracasso do Brasil na Copa da Alemanha, pleiteava o direito de voltar a vestir a camisa verde e amarela. O rumor de que o banimento tinha o respaldo de um ministro de Estado, não o surprendia: “Se for, mais uma vez vou ter a certeza de que sou um negro que incomoda muita gente”. E acrescentava: “Não vou ser um negro tímido, quieto, com medo e temor das pessoas”.
Dessa maneira, nas páginas de O Estado de S.Paulo, Paulo César esboçava a revolta da chibata no futebol brasileiro. Enquanto Barbosa e Bigode, sem alternativa, suportaram com dignidade o linchamento moral na derrota de 1950, Paulo César contra-atacava os que pretendiam condená-lo pelo insucesso de 1974, reeditando as acusações de “covarde” e de “mercenário” – as mesmas dirigidas a Leônidas no passado. Ao contrário de Friedenreich, no entanto, Paulo César assumia, sem ambiguidades, as cores e as causas defendidas pela esquadra dos pretos em todas as esferas da vida social.
“Sinto na pele esse racismo subjacente”, revelou certa vez à imprensa francesa: “Isto é, ninguém ousa pronunciar a palavra ´racismo`. Mas posso garantir que ele existe, mesmo na Seleção Brasileira”. Sua ousadia consistiu em pronunciar a palavra interdita no espaço simbólico utilizado pelo discurso oficial para reafirmar o mito da democracia racial."
Fonte: Texto de: José Paulo Florenzano, professor de Antropologia da PUC-SP e autor do livro “A Democracia Corinthiana” (2009).