Terrorismo e ataques à liberdade de expressão! Eis o Brasil às portas do inferno

25/12/2019 02:05 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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O Brasil estaria à entrada de um novo tempo, com atentados de motivação religiosa ou algo parecido. É o que dizem algumas vozes na imprensa depois do ataque à produtora do grupo Porta dos Fundos. Na madrugada de 24 de dezembro, véspera do Natal, dois coquetéis molotov foram jogados na fachada do prédio da empresa, no Rio de janeiro. O ato de terrorismo ocorre depois da repercussão de A Primeira Tentação de Cristo, o especial de fim de ano do Porta na Netflix. Para fechar 2019, só faltava a estreia do Brasil terrorista.

Até agora, nada menos que sete ações chegaram à Justiça com a intenção de censurar a comédia de ficção. Os senhores da fé totalitária querem a retirada do programa do ar, querem impedir que milhões de pessoas vejam o que querem ver. Quem deu a essa gente o direito de decidir o que o brasileiro pode ou não pode escolher no cinema, no teatro, na TV? Tratem de suas manadas, ora!

Além da tara por censura a tudo do que discordam, claro que os cidadãos de bem, com ou sem batina, nunca esquecem as questões de ordem financeira. Também no caso do Porta, pastores pedem indenização milionária por suposta ofensa a suas crenças sobrenaturais. Quem põe o dízimo no topo das prioridades teológicas, em qualquer causa, está sempre atento a fontes de arrecadação.

No meio dessa presepada tem um alagoano. É o bispo de Palmares, em Pernambuco, Dom Henrique Soares da Costa. Nas malditas redes sociais, o santo homem postou uma xaropada conclamando seu rebanho a cancelar a assinatura da Netflix. Ele jura que já cancelou a sua. Fiquei curioso sobre as séries e os filmes favoritos do bispo. Afinal, o cardápio está recheado de títulos pecaminosos.

O texto de Dom Henrique, cheio de bizarrices com fachada de indignação, alcançou alguma plateia. O barulho levou a revista Época e entrevistá-lo. Ao explicar suas posições, a baboseira mais inofensiva está aqui: Que tal liberdade de expressão para denegrir alguém a quem você ama profundamente?. Denegrir?! Isso é feio, meu senhor, não pode usar. Ou racismo é mimimi?

É o que pensam Bolsonaro, sua patota de milicianos, afamados clérigos, jornalistas e juristas, entre outros adoradores da força bruta. Mas o verbo nada tolerante do bispo, como falei, é o ponto inofensivo de seu texto. Vamos acreditar que saiu no automático, sem querer querendo. O pior é quando ele se dana a falar sobre liberdade de expressão, com aquele jeitão de dono da verdade.

A fórmula é mais antiga do que os abusos em série cometidos ao longo da história das religiões. Dom Henrique defende nossa liberdade de expressar o que pensamos. “Mas”! Aí entra o capeta se esgueirando pelos detalhes. A ressalva que vem logo atrás da aparente defesa de algo, pode apostar, é sempre o desprezo por aquilo que o falante finge defender. Quando a virtude é apenas falácia.

Assim como não existe “mais” ou “menos” democracia – ou é isso ou é ditadura –, liberdade de expressão também não se classifica nesses termos. No Brasil de Bolsonaro, uma escória com assento em ministérios e gabinetes se considera iluminada para decretar o permitido e o proibido. Ignorantes promovidos a autoridades da República sonham com um país manietado pela ralé do fanatismo.

As coisas, com bastante frequência, não aparecem do nada. Embora o poder de plantão alimente o culto da Terra Plana, há sempre alguma lógica nos fenômenos sociais, há sempre uma causa na origem do efeito que vem como novidade, ou até como tremenda surpresa. 2019 é o ano zero da tragédia brasileira. Mudamos, para dentro e para fora. A fraude e a violência resumem o Brasil.

Apelei à digressão acima para reiterar a ideia que aqui vai se escrevendo. O atentado ao Porta dos Fundos fecha o ano das abominações que o governo Bolsonaro consagra. Se o sujeito celebra a tortura, se defende o extermínio de pessoas, se considera piada o direito à ampla defesa, se trata as leis como “entraves” para seus projetos, se agride mulheres, gays e negros, então batemos no inferno.

Para “combater o crime”, a principal medida do ministro da Justiça, Sergio Moro, é a licença para matar entregue a policiais. Um juizinho que se vendeu como cabo eleitoral virou símbolo para a honrada família-cristã-verde-e-amarela. Com tudo de cabeça pra baixo, um juiz corrupto – porque fraudou o processo legal na Lava Jato – caiu nas graças da tal extrema direita, burra e pistoleira.

Não farei um inventário das mazelas dos últimos dozes meses. Daria um texto interminável. Mas os exemplos citados representam bem o conjunto da obra. Faltava o quê? Ação de terroristas contra um grupo de humor. Como naquele jornal francês. Pois agora não falta mais. Se der a lógica, vem mais aí.

Sei que o espírito natalino pede papo leve, projetos para 2020, comilança com toda a família. Como novela do Manoel Carlos, é um roteiro bonito. No meu caso, não posso reclamar da mesa, devo reconhecer. No mais, o vento sopra forte de madrugada, aqui no litoral sul. Bom pra pensar.

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