Quem quer dinheiro? As “agências de investimento” e a crença no Papai Noel

18/12/2019 17:45 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Nunca houve tantos anúncios publicitários sobre “investimento financeiro”. A TV está abarrotada desse tipo de propaganda. A cada intervalo – durante o telejornal, a novela, a série, o filme, o jogo de futebol etc. – lá vem alguma garota bem produzida, ou um garotão modernoso, para nos vender uma fórmula mágica de ganhar dinheiro. Não sei quando essa febre começou, mas não era assim até poucos anos atrás. O negócio sempre existiu, claro, mas houve um “salto de qualidade” no jeito de pescar novos clientes.

Eu falei da publicidade na TV, mas a coisa é muito mais ampla. Está espalhada por todos os meios e formas de comunicação. Está na primeira página do ainda resistente jornalão. Ocupa amplos espaços na também resistente revista semanal. Está nos canais e nas redes sociais da incontrolável internet. No YouTube, gigantes como Porta dos Fundos e MyNews são patrocinados por esse segmento.

E que segmento da economia é esse? O que produz, por exemplo, na indústria, no comércio ou no chamado setor de serviços? Aí é que está o drama. Não há produção de coisa alguma para o país, seja em que área você queira saber. Estamos nos domínios do onipresente Mercado Financeiro. Eu grifei o termo porque é algo tratado como uma entidade sagrada nos quatro cantos da imprensa.

Paira sobre essa proliferação de agências, bancas e carteiras de investimento a eterna suspeita de cambalacho. A ilustração mais eloquente de enrolada viu-se em março deste ano, no célebre caso da Bettina. Garota-propaganda da Empiricus, Bettina Rudolph, uma linda jovem de 22 aninhos, apareceu em comerciais contando uma fábula: investiu 1.500 reais e ganhou 1 milhão em três anos.

A ficção era tão escrachada que por pouco não virou caso de polícia. A Empiricus (dona do site O Antagonista) teve de fazer malabarismo para se explicar. A imprensa apertou, atrás de dados concretos da moça, e ela acabou revelando que, entre outras fontes para sua aventura financeira, recebera uma ajudinha do pai. Ou seja, era tudo cascata mesmo, armadilha para desavisados.

Ainda assim, capturada em flagrante com uma mutreta, a Empiricus segue firme em suas “análises de conjuntura”, algo que orienta os interessados sobre o melhor destino do dinheiro. E tem um bocado de gente que acredita. A ambição desmedida, ainda mais diante de promessas mirabolantes, leva o sujeito a apostas sem qualquer base na realidade. Aí, a frustração é devastadora no investidor.

O Antagonista se disfarça de veículo de imprensa, como se sabe. Não é uma trivialidade que seja bancado por uma empresa especialista em especular com informações que valem ouro. Os “analistas” inventam cenários e projeções para manipular até os atores oficiais, como Banco Central e Bolsa de Valores. Chutam sobre o que não existe, deliberadamente, para fazer existir o que querem.

Há vários nomes do entretenimento e da imprensa com ligações íntimas com esse universo. Luciano Huck é um deles. Muito mais preocupante é o caso de jornalistas. As peripécias de Willian Waack no YouTube são viabilizadas com a grana de uma dessas agências de especulação financeira. Como no caso do MyNews, que tipo de independência editorial existe nessa relação? Pura brincadeira.

Faz sentido a overdose de anúncios de tal natureza. Afinal, onde está o dinheiro? São os bancos as “empresas” que mais lucram mundo afora. No Brasil, o lance é pornográfico. Por isso, durante dois meses, entre agosto e outubro, no intervalo do Fantástico, Pedro Bial virou porta-voz da Febraban, a federação dos senhores donos das maiores fortunas, da vida e da morte de tantos brasileiros.

Ciranda financeira. Pirâmide. Agiotagem. Papel sem lastro na conta bancária. Títulos de renda. Taxa de juros. Nos últimos anos, com a crise da economia batendo no pescoço, o desemprego foi às alturas e de lá não saiu mais. Pois ainda assim, gastamos tempo e energia para “investir” o que não temos, na crença de que ficaremos milionários do dia pra noite. Como a Bettina. Não! Papai Noel é uma lenda!

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