Vereança, a causa perdida da renovação

09/12/2019 16:11 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Que importância tem para as cidades a atuação das Câmaras Municipais? Das grandes capitais a bibocas perdidas no meio do nada, esse arremedo de parlamento resume o pior da política brasileira. Deveria ser o contrário, afinal é no município que todos nós vivemos. Mas basta prestar um pouco de atenção no que fazem vereadores, e a constatação será terrível. Os vícios, as piores aberrações, as jogadas secretas da politicagem, enfim, nascem e florescem no terreno inaugural da vereança.

Brasil afora, uma das coisas mais esquisitas é a jornada de trabalho de um vereador. Em milhares de localidades, os eleitos aparecem na Câmara duas vezes por semana. Há exemplos de apenas uma sessão a cada sete dias. Não se sabe como se chega a tal calendário de extrema originalidade. Se levamos a questão para o povo na rua, ao espanto se junta a indignação com essa loucura.

Da parte dos senhores e senhoras que exercem um mandato, as alegações variam quando chamados a explicar a jornada estafante. O trabalho não é feito apenas na sede da Câmara, dizem alguns. Não existe estrutura adequada para o comparecimento diário, para sessões todos os dias, justificam outros. O sumiço dos eleitos é apenas uma das muitas encrencas nessa parada maluca.

Não sei como está agora, mas até um dia desses, no interior de Alagoas, o salário dos vereadores era entregue em mãos, dinheiro vivo, pelo presidente da Câmara. Este era o caso, por exemplo, do município de Batalha, no sertão do estado. Quem descobriu esse exotismo foi a jornalista Patrícia Bastos, numa reportagem para a Gazeta, anos atrás, quando eu chefiava a redação do velho jornal.

Reparem que negócio escalafobético. Em pleno século 21, o presidente da Câmara de Batalha se dirigia a uma agência do Banco do Brasil, sacava todo o dinheiro correspondente ao salário de nove vereadores – e levava a grana para casa. Lá, ele recebia os colegas, em horários diferentes, e fazia o pagamento. A história rendeu uma bela matéria, como falei, de Patrícia Bastos, exemplo de repórter.

Em Maceió, depois de muitos anos instalada no acanhado prédio da Praça Deodoro, a Câmara se mudou para Jaraguá. Pelo que sei, gasta-se uma fortuna com o aluguel de um daqueles imóveis históricos, se bem que um tanto descaracterizados por intervenções descabidas. Quem liga pra isso?

Como 2020 é ano de eleições municipais, as estripulias nas Câmaras vão aparecer com mais evidência. Parte das notícias desabonadoras decorre de denúncias de interessados. Quem está fora, esperto, esculhamba e quer entrar. Quem está dentro, alerta, se defende e não quer sair jamais.

Sem querer descartar ninguém exclusivamente pela origem familiar, é um tanto desolador quando verificamos os sobrenomes com assento nos plenários municipais. É um festival de netos, filhos, sobrinhos, irmãos, parentes e agregados de coronéis da política. Tudo gentalha da pior espécie.

Claro, há sempre uma ou outra exceção. Mas o que domina é a tradição das capitanias hereditárias. Filhotinhos que mal sabem soletrar o próprio nome chegam às tribunas e gabinetes como se tivessem direito divino sobre a coisa pública. Tratam a política como as atividades de suas fazendas.

A partir de janeiro, quando o novo ano detona a campanha eleitoral, vereadores não pensam em mais nada a não ser na renovação do mandato. Qualquer projeto estará condicionado ao potencial de votos. O mesmo vale para a relação com as prefeituras. O balcão de negócios se agita.

Uma virada nessa realidade degradada da política brasileira teria de começar justamente pela vereança. Ou muda na origem ou mudança nenhuma haverá no âmbito nacional. Mas não tenhamos ilusões. Pelo padrão vigente, e pelas perspectivas de “caras novas”, eis aí uma causa perdida.

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