Jornalismo na TV vai da fraude ao meme

24/11/2019 11:06 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Na televisão, às vezes, parece que os jornalistas não sabem do que estão falando. Na regra geral, estão todos muito preocupados com a aparência, é verdade. Roupinhas bem cortadas. Maquiagem que leva em conta o tom de pele. Camadas de cores e luzes no cabelo. Há também uma dedicação científica quanto aos cuidados com a voz. Por isso, é comum o endeusamento da fonoaudióloga, sempre uma profissional ma-ra-vi-lho-sa! Mas, afinal, são essas coisas que garantem um bom telejornalismo?

Nunca esqueço que, poucos anos atrás, ao anunciar a novidade do padrão digital nas transmissões, um jovem âncora da TV Gazeta de Alagoas ressaltou o aspecto que ele julgava mais relevante dos novos tempos: agora, disse o rapaz, “temos de zelar até pelo botão do paletó”. A extravagante visão sobre o que é prioridade no jornalismo na TV explica muito sobre o nível do que vemos na telinha.

O apresentador continua no ar, visto como exemplo em nossa imprensa. Se você acha mesmo que o glorioso público está preocupado com os botões em blusas e ternos, eu desisto do debate. Mas é esse tipo de disparate que a Globo alimenta, de norte a sul, no coração dos candidatos a ocupar a bancada de um telejornal. É a receita ideal para o triunfo da banalidade, um insulto à inteligência.

Escrevo essa resenha motivado por três situações que vi esses dias na TV. Uma foi no canal Fox Sports. As outras duas pularam em cima de mim quando assistia a telejornais da nossa TV Gazeta. No primeiro caso, flagrei, por acidente, um repórter copiando um texto que está na Wikipédia. A reportagem falava sobre o que era notícia em 1981, quando o Flamengo foi campeão da Libertadores.

No resumo dos acontecimentos daquele ano remoto, o repórter deu informações sobre o filme Eles não Usam Black-tie, um clássico do diretor Leon Hirszman. Achei alguns dados esquisitos. Minha veia de crítico de cinema me obrigou a uma rápida pesquisa no velho Google. O primeiro link na lista, claro, era a Wikipédia. Ao clicar, o choque: o cara reproduziu um parágrafo inteiro do texto.

Fiquei pensando... Se até numa multinacional o texto de uma reportagem não passa de cópia descarada do que está na internet, imagine o que não ocorre Brasil afora! Além de plagiar palavras alheias, nada garante que aquele conteúdo da chamada “enciclopédia livre” seja absolutamente confiável. Posso deduzir que minha descoberta aponta para uma tragédia cuja base é a fraude.

Agora os dois casos alagoanos, ambos, reitero, na TV Gazeta. Um repórter conta os dissabores do CSA, que terá de deixar o Mutange por causa da criminosa exploração do solo feita pela Braskem. Diante do ídolo azulino Jorge Siri, que marcou época como jogador do time, o garotão se referiu a ele como “Seu Jorge”. Ficou claro que não sabia nada sobre o personagem do qual falava.

O último exemplo também é do mundo do futebol. Ao encerrar o telejornal, a garota avisou que a próxima edição, no dia seguinte, seria mais curta por causa da decisão da Libertadores. Segundo ela, o jogo seria entre Flamengo e “Pruve” Plate. Alguém deve ter digitado errado quando quis escrever River Plate. O resultado, eu soube depois, foi um festival de memes de alcance continental.

O que eu penso sobre essas ratadas? É simples. Obcecada com a vaidade, equivocada sobre o que é necessário no trabalho jornalístico, a galera é negligente com o essencial. Jornalistas vão para o ar, soltam a voz nos microfones, se esmeram em trejeitos na frente das câmeras, mas nem sabem o que estão lendo para o telespectador. É como se o modelo de Cid Moreira continuasse em vigor.

Passei uma década na TV Gazeta, em contato permanente com o departamento de jornalismo da Globo. Tratar com jornalistas da rede era parte do meu trabalho. Todas as marmotas que me incomodavam, me parece, seguem fazendo a cabeça da rapaziada. O repórter engraçadinho continua sendo uma categoria prestigiada. E essa é apenas uma das muitas baboseiras intocáveis.

Nessa Tela Plana do exotismo, texto de qualidade, apuração rigorosa, abordagem aprofundada e sobriedade com temas delicados não têm vez. Cuidado com as informações que você recebe dos manequins que aparecem nos telejornais disfarçados de jornalistas. A “grande reportagem” pode ser um amontoado de trocadilhos, clichês e palermices. Se é para virar meme, tudo bem.

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