Após um paciente do Sistema Único de Saúde (SUS) em Alagoas se recusar a receber sangue de terceiros durante uma cirurgia no coração, por questões religiosas, o Supremo Tribunal Federal (STF) irá decidir, se, em casos semelhantes, as testemunhas de Jeová têm o direito de se submeteram a tratamento médico e cirurgias sem transfusão de sangue.
O tema será analisado no Recurso Extraordinário (RE), que, por unanimidade, teve repercussão geral reconhecida no Plenário Virtual.
O caso concreto, que deu origem a análise do STF, diz respeito a uma paciente do SUS que foi encaminhada à Santa Casa de Misericórdia de Maceió, para realizar cirurgia de substituição de válvula aórtica e, por ser testemunha de Jeová, decidiu fazer o procedimento sem transfusões de sangue de terceiros (sangue alogênico), assumindo os possíveis riscos.
Segundo a paciente, que não teve o nome divulgado, embora a equipe médica tenha concordado com a opção, a diretoria do hospital condicionou a realização da cirurgia à assinatura de termo de consentimento para a realização de eventuais transfusões.
A Justiça de Alagoas manteve a decisão de primeira instância que negou o pedido da paciente para fazer a cirurgia sem transfusões de sangue, com o fundamento de que não existem garantias técnicas de que a cirurgia possa transcorrer sem riscos.
No recurso extraordinário, a paciente sustenta que, em razão de sua consciência religiosa, a exigência de consentimento prévio para a realização de transfusões de sangue como condição para a realização da cirurgia ofende a sua dignidade e o seu direito de acesso à saúde.
A paciente alega, ainda, que o direito à vida não é absoluto e que há hipóteses constitucionais e legais em que se admite a sua flexibilização. Segundo ela, cabe somente ao indivíduo escolher entre o risco do tratamento que deseja e o risco da transfusão de sangue, e o Estado deve se abster de interferir em uma escolha existencial legítima. A imposição, a seu ver, afronta também a liberdade religiosa.
O relator do Recurso Extraordinário, o ministro Gilmar Mendes, observou que a possibilidade de paciente se submeter a tratamento médico disponível na rede pública sem a necessidade de transfusão de sangue, em respeito à sua convicção religiosa, é questão diretamente vinculada ao direito fundamental à liberdade de consciência e de crença.
Para o ministro, a controvérsia, referente ao direito de autodeterminação confessional das testemunhas de Jeová, “possui natureza constitucional e inegável relevância, além de transcender os interesses subjetivos da causa”, uma vez que a tese fixada afetará toda a comunidade identificada com a referida religião.