Juiz garantista, filigrana jurídica e perversões

30/09/2019 04:01 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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No Brasil dos cidadãos de bem que pregam linchamento contra globalistas, adoram a família e rezam todo dia para Jesus e Nossa Senhora, juiz garantista virou ofensa. Esse dado já seria o suficiente para demonstrar que por aqui as coisas viraram de cabeça pra baixo. O que é um juiz garantista, afinal? Se até hoje, que eu saiba, nenhuma reforma ortográfica da Língua Portuguesa inverteu o sentido das palavras ou dos conceitos, garantista é aquele que respeita a lei. Está errado esse entendimento?

Para os fanáticos da Lava Jato, sim. Esse fanatismo se expressa em diferentes formas e por motivações também variadas. O grau mais simples do fenômeno, por assim dizer, está no comportamento do brasileiro médio. É aquele sempre disposto a embarcar nas lorotas do herói da temporada. Se você quiser, pode enquadrá-lo na delicada categoria dos analfabetos políticos.

Em outro departamento estão os fanáticos disfarçadamente engajados numa causa. Entre esses, nos dias atuais, temos os garotões da chamada “nova direita” – que se encantaram com o charme de um Bolsonaro, um Feliciano, uma Joice, um Moro... Nesse bando específico, alguns, com aspirações eruditas, caíram no colo do guru Olavo de Carvalho e acreditam em comunismo.

Uma das frentes mais ativas na adesão cega à Lava Jato é a de jornalistas e colunistas da imprensa. Merval Pereira, Augusto Nunes, José Nêumanne, Fernando Gabeira, Ascânio Seleme, José Roberto Guzzo, Felipe Moura Brasil, entre outros, integram o time. Uma vírgula em defesa do processo legal deflagra a histeria: “Meu Deus, vão matar a Lava Jato”, esbravejam.

Agora o mais bestial: os maiores inimigos do garantismo, espantosamente, estão nas instituições. São indivíduos que, reparem que coisa, assumiram seus postos sob o juramento de cumprir e defender as leis e a Constituição. Sim, eles mesmos, juízes, desembargadores e promotores de justiça agora defendem o direito criativo, que julga a partir do “clamor das ruas”.

Duas convicções unem todas as tendências dos pistoleiros do ordenamento jurídico. Primeiro, sob o pretexto de “combate à corrupção”, assinam embaixo a cartilha do vale-tudo para obter os fins desejados. Combinado a isso, tratam a obediência às regras como desprezível “filigrana.” Por essa degenerada visão de mundo, fraudar o inquérito para condenar sem provas não é problema.

É falsa a oposição Garantismo X Combate à corrupção. Quem sustenta um troço desses ou é idiota ou é pilantra. Na segunda categoria, claro, estão Deltan Dallagnol, Moro e Roberto Barroso, o mais saliente ministro do STF quando se trata de afrontar princípios legais. Mas, desgraçadamente, o discurso hipócrita é o que contagia as massas, sempre animadas ao jogo do prendo e arrebento.

Como sabem os rapazes “cristãos conservadores”, é no detalhe que o capeta arma o bote. E foi por esse atalho que chegamos ao lamaçal revelado pelo Intercept. Não, ninguém está acima da lei, muito menos aqueles que se vendem como paladinos da moralidade universal. Para esses, vale tudo, sim, desde que o método criminoso não pegue os seus. Por isso, a crise no bolsonarismo.

Por fim, para os fãs da Lava Jato, entre os celerados que defendem fervorosamente Bolsonaro e família, a lei pode até ser para todos – mas apenas na ficção do cinema. Enfrentar todo e qualquer crime, hoje e sempre, é tarefa compatível com a legalidade, não o contrário. É óbvio, sabemos. Mas paixões partidárias ou financeiras, também sabemos todos, autorizam as piores perversões.

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