Tropical, abençoado por Deus

13/04/2019 11:43 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

O Brasil das milícias. Os milicianos hoje em dia gozam de forte prestígio – vejam que coisa – no topo do poder político e governamental da República. Do Rio de Janeiro a Brasília, os assassinos que subjugam populações inteiras contam com apoio e simpatia de governadores, parlamentares, ministros e do presidente do país. Para esses patriotas, os matadores fazem o serviço que o poder público não faz. É esse tipo de gente que comanda os destinos de todos os brasileiros.

O Brasil do feminicídio. Aqui ninguém tira nosso troféu de campeões mundiais do extermínio de mulheres. Todos os dias – e isso não é força de expressão – machos assassinam garotas, jovens e senhoras, movidos pela tradição perversa de dominação sobre o outro, como se essa tradição fosse um dado da natureza. O discurso misógino dos pilantras que hoje comandam o país incentiva a matança. Discurso que é admirado pelos bandos fanáticos que apoiam a corja de “homens de bem”.

O Brasil do racismo. Os índices oficiais de homicídios – mais de 60 mil por ano – revelam que a população negra é o grande alvo dos exterminadores que agem, muitas vezes, sob a proteção dos homens da lei. Das universidades às grandes empresas, passando pelos tribunais de Justiça, é um milagre encontrar um negro em posições de chefia ou de destaque. Nos presídios, ao contrário, a massa de encarcerados, muitos sem julgamento, é formada por essa parcela da sociedade.

O Brasil da homofobia. A cada dia – e isso também não é força de expressão – pessoas LGBTI são dizimadas nessa terra bonita por natureza. A turma que hoje manda no país chama isso de mimimi. Faz sentido, afinal o presidente amoral já cansou de dizer que prefere um filho morto do que um gay. É praticamente uma licença para matar. Os doentes que agora deliberam sobre políticas públicas estão engajados em combater a “ideologia de gênero” – o que na prática é a disseminação do ódio.

O Brasil dos laranjas. Alagoas, Rio, Minas, Brasília... Por toda a parte árvores frondosas deram frutos podres que hoje estão vitaminadas com mandatos nos poderes Executivo e Legislativo. Como já escrevi aqui, as eleições de 2018 provavelmente foram as mais fraudadas de nossa história. O ministério do ridículo presidente também tem sua cota no laranjal. Investigações foram abertas, mas até agora ninguém foi punido. Pelo visto, todos acham que essa bandidagem é natural e aceitável.

O Brasil do desprezo à escola e ao conhecimento. Numa palestra recente, o agora novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, recorre a palavrões para se referir às maiores universidades do país. Na mesma palestra, um irmão do ministro – que também está no governo – simula cusparadas toda vez que cita a Universidade Harvard, considerada a melhor do mundo. São dois cretinos que, com esse padrão de conduta, seduziram Bolsonaro e seus filhotes trombadinhas. É o triunfo da escória.

O Brasil da degradação ambiental. Temos um governo que diz proteger o meio ambiente – “mas não de forma xiita”. A ideia criminosa por trás da frase canalha se materializa no vale-tudo da exploração da floresta e de áreas de proteção, da liberação de venenos para o agronegócio e na anistia de multas para bandidos que destroem qualquer pedaço de chão para plantar seus lucros indecentes. O ministro da área já foi condenado por ações desse tipo, mas e daí? É o país avançando...

O Brasil sem lei. Os exemplos podem ser vistos em todas as instâncias, mas ninguém supera Sergio Moro, a síntese de um Estado que não é democrático e nem de Direito. Essa figura medíocre levou para o Ministério da Justiça a mesma lógica de quando rasgava o Código Penal e a Constituição nos seus tempos de juiz. E olhe que o sujeito tem planos nada modestos. Sua aspiração mais singela é um assento no STF. Mas o que ele almeja mesmo é ocupar a cadeira do chefe: ser presidente do país.

Minha lista poderia seguir, com muito mais das incontáveis qualidades de um Brasil que hoje assombra o mundo. Mas acho que o panorama acima é um painel razoável do lugar em que vivemos. Aquele trovador que um dia definiu essa terra como especialmente abençoada por Deus talvez tivesse que atualizar sua visão, para nos explicar o que houve com o deslumbramento solar e tropical que ele celebra em sua arte. Porque agora outro poeta diz tudo: esta é a Terra Desolada.

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