Bolsonaro, Braskem e a negação da realidade

11/04/2019 16:59 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Uma das marcas registradas de praticamente todo e qualquer governo é o apego à manipulação de números oficiais e estatísticas. A vagabundagem consiste em dar interpretação enviesada aos dados objetivos da realidade. Aqui mesmo em Alagoas, ao longo das décadas, autoridades brigam a vida inteira contra os índices de analfabetismo, mortalidade infantil, homicídios, projetos anunciados e não cumpridos, e vai por aí. A tática é agredir as fontes de onde saem esses estudos inconvenientes.

Escrevo tudo isso depois de reações no governo brasileiro a dois tipos de levantamentos publicados nos últimos dias. Primeiro, foi Jair Bolsonaro, o desqualificado e amoral presidente, que, diante dos índices de desemprego, partiu pra cima do IBGE, responsável pela pesquisa. De novo, o velho exemplo da autoridade cretina que, sem resposta à mensagem ruim, atira no mensageiro.

O segundo caso ocorreu nesta quinta-feira 11/04, por parte do ministro Sergio Moro, aquele intelectual cheio de ideias para a relação entre “conges”. O Datafolha acaba de revelar que a maioria da população rejeita medidas que formam o eixo central do projetinho anticrime saído da cabeça do ex-juiz bolsonarista. Segundo ele, a pesquisa foi “mal feita”. Só porque ele quer que assim seja.

Como falei, não temos novidade nessa estratégia. Quando os doutores não têm argumentos frente à dura verdade, então dane-se a verdade. Os donos do poder têm essa mania de fingir acreditar em suas próprias mentiras. Fico imaginando o que eles pretendem com essa forma de reagir aos fatos. Nos dias de hoje, com as redes sociais, fica mais fácil para políticos espalharem suas fantasias.

A encrenca é que não se muda a feia realidade com maquiagem chapa-branca. Mas é claro que ninguém deve esperar qualquer autocrítica ou reconhecimento de equívocos de quem está apenas a serviço de um projeto político. O presidente idiota, que já é rejeitado pela maioria com apenas cem dias de governo, também dispara sua verborragia escrota sobre a pesquisa Datafolha.

Agora vamos a outro tipo de guerra entre vida real e o desejo dos poderosos. Refiro-me ao caso do Pinheiro, o bairro que está afundando em Maceió. Embora não exista um laudo definitivo, sobram evidências de que o trabalho da Braskem tem tudo para ser o grande responsável pelo drama que atinge milhares de famílias. A empresa contesta de maneira veemente. Jura que isso não procede.   

A contestação da Braskem, porém, não está baseada em qualquer estudo apresentado ao Ministério Público ou à Defensoria Pública, as duas instâncias mais engajadas na busca por solução do caso. Sobre os eloquentes indícios contra a multinacional, nenhuma palavra de seus diretores. O que eles fizeram foi irrigar as emissoras de TV com uma fortuna pela publicação de publicidade.

Nos últimos dias, nota oficial da empresa vem sendo divulgada no chamado horário nobre televisivo. É uma festa para os departamentos comerciais – muito preocupados em amparar os atingidos, se é que me faço entender. No meio da verdadeira tragédia, a batalha de informações e de narrativas é tão delicada quanto a investigação das causas do problema. Bom teste para o jornalismo.

Misturei governo Bolsonaro e Braskem porque, no tema aqui, ressalto que achincalhar os fatos em nome de enredos fantasiosos é traço comum de dois mundos – o público e o privado. A pilantragem de um está à altura da delinquência do outro. Não espere nada acima desse nojento padrão.

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