Acabo de assistir ao documentário 1964 - O Brasil entre Armas e Livros, um filme anunciado como uma releitura do golpe militar que instaurou a ditadura que durou 21 anos no país. Produzida pelo Brasil Paralelo, espécie de organização que pretende uma revisão geral da História nacional sob a narrativa de uma direita esclarecida, a obra é decepcionante. A propaganda anterior ao lançamento prometia revelações demolidoras, mas isso não ocorre nas duas horas de imagens e entrevistas.

A turma de Bolsonaro fez o maior labafero sobre o filme. Os filhos do presidente se empenharam na publicidade, vendendo a ideia de que se trata de algo verdadeiramente inédito na produção cultural brasileira. Balela. Tudo o que está lá é conhecido. O grande mérito seria a apresentação de documentos obtidos nos serviços secretos da antiga República Tcheca. A papelada comprovaria a interferência do então bloco soviético sobre ações da esquerda no Brasil. Mas o que aparece são alguns papéis, mostrados com certa correria e superficialidade. Diria que forçaram a barra.

Além do mais, essa ligação entre partidos de esquerda e governos comunistas do Leste Europeu também é conhecida há muito tempo. Como cinema propriamente dito, o documentário não significa nada: é cansativamente convencional do primeiro ao último acorde de uma trilha sonora que lembra marcha militar. Um dos maiores pecados é a narração em off, em tom quase solene, um recurso que demonstra a visão quadrada dos diretores. Numa medida exata, a criatividade é zero. 

São vinte e quatro entrevistas, com algumas caras recorrentes em nossa imprensa nos últimos anos, como Willian Waack, Luiz Felipe Pondé e, claro, Olavo de Carvalho. É muito falatório, o que acaba produzindo também a recorrência de ideias nos depoimentos - outro erro grave. Insisto: não há nada de novo no material, nenhuma informação inédita que autorize uma reinterpretação do golpe de 64. É até frustrante, diante do barulho que se fez antes do lançamento. Praticamente um estelionato.  

Duas teses são repetidas exausitvamente ao longo de todo o filme: a primeira é a de que o golpe foi uma resposta ao iminente golpe da esquerda para instaurar a ditadura do proletariado; a segunda diz que os militares cometeram o erro de deixar a hegemonia sobre o campo cultural com setores da esquerda, que dominaram a universidade, a imprensa e o showbiz. Ocorre que essas ideias também já foram amplamente divulgadas. Ficamos sabendo que os caras da direita têm verdadeira fixação em Antonio Gramsci, o pensador da guerra cultural. Involuntariamente, é até engraçado.

A exibição do filme causou confusão em algumas cidades do país. Uma rede de cinema chegou a divulgar nota afirmando que a exibição foi um equívoco. Aí, não! Tratar o documentário como algo a ser banido, que seria um crime contra a democracia e coisa e tal, não passa de estupidez. É a mesma reação lastimável que houve contra outro documentário, o ótimo O Jardim das Aflições, sobre o filósofo Olavo de Carvalho. Censura prévia nas artes, jamais, nem à direita nem à esquerda. 

Quer ver um documentário sobre a ditadura militar, com uma pegada crítica sobre a narrativa da esquerda para aqueles fatos? Então veja Reparação, do cineasta Daniel Moreno. Está no YouTube. Lançado em 2010, este sim, é um filme com informações que merecem uma reflexão séria. Passa longe do carnaval da obra do Brasil Paralelo. Ao contrário, se vale da sobriedade para ir fundo em episódios dramáticos. O resultado é uma das melhores produções do nosso cinema sobre 64, um denso painel que ilumina a História. O filme não teve a repercussão merecida quando apareceu.

Quanto a 1964 - O Brasil entre Armas e Livros, ficamos com um amontoado de velhas imagens, todas vastamente já exibidas, e com um trololó que pouco ou nada acrescenta ao que está consagrado na historiografia brasileira. Os meninos da nova direita, que estão descobrindo o mundo agora, ao que parece estão adorando. Faz sentido. Desinformados ficam surpresos com qualquer besteira, com qualquer enganação travestida de grande coisa. No mais, é pregação para bobos convertidos.