A semana que passou foi uma das mais agitadas dos últimos tempos. Vimos mais um capítulo na tumultuada novela envolvendo governo e Congresso. Mas isso não é nada frente ao que foi decidido no Supremo Tribunal Federal. O julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet pode produzir consequências diretas para todo mundo. Estão em jogo liberdade de expressão, censura e concentração de poder. É muita coisa.

Por 8 votos a 3, o STF ampliou a responsabilidade das plataformas digitais quanto ao conteúdo do que é publicado. Uma notificação extrajudicial basta para que o veículo atenda a uma eventual vítima e tire a mensagem do ar. Antes, isso só seria possível com uma decisão da Justiça. O caso, cheio de arestas, divide juristas e especialistas.

Crianças e adolescentes estão morrendo em “desafios” virtuais, tramados na tela do celular. Há registros de automutilação e crime de pedofilia. Para combater esse tipo de violência, a chamada regulação das redes seria até consenso. Mas há outro tipo de crime, de natureza mais subjetiva, digamos assim, ainda que configurado em lei.

É quando temos de decidir sobre delitos de opinião. Atentado ao Estado Democrático, tentativa de golpe de Estado, ataque às instituições... Aqui, o nevoeiro conceitual predomina, e o risco de distorções do que foi decidido pode avançar sobre o direito fundamental à expressão do pensamento. Censura prévia é mais ou menos isso aí.

O Supremo criou uma lista de crimes sobre os quais as empresas devem dedicar especial atenção. Nessas situações, a big tech é obrigada a agir “proativamente”, apagando o conteúdo, sem ter sido provocada de nenhuma forma. O descumprimento das novas regras gera punições severas, como multas milionárias e cadeia.

A crítica imediata é: o país privatizou a censura. Como se fosse possível, o poder descomunal das plataformas ficou maior. Mas, antes do mérito da causa, há o vício de origem, o pecado original, o paroxismo na largada: isso não é pauta do Judiciário. Ainda que provocado, o tribunal se arvora, aqui sim, ao papel de legislador. Erro brutal. 

A nova legislação vale para casos futuros e não atinge litígios em andamento nos tribunais país afora. Os três votos vencidos no julgamento do STF se alinham num ponto em comum – a Constituição garante a liberdade de expressão. A ver o que virá. A previsão é uma enxurrada de notificações às plataformas. Um debate longe do fim.