A dupla (e secreta) jornada de um coronel

24/01/2019 03:39 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Era uma vez um coronel da Polícia Militar que vivia num país da América do Sul, num estado abençoado pelo mar e pelo sol. Conhecido entre os seus como alguém “operante”, ele sempre teve ambições para além das fileiras de sua corporação. Naquele tempo, disposto a reforçar o orçamento doméstico, o coronel teve uma ideia: iria batalhar uma vaga na iniciativa privada. E ele conseguiu.

Para cravar seu lugar em alguma empresa, o coronel teria a oferecer justamente a experiência em sua especialidade – a segurança pública. Havia um problema: como trabalhador de carreira de Estado, ele estava proibido por lei de exercer dupla jornada, com dupla remuneração, de um governo e de uma empresa. Para driblar a chatice desse entrave, a solução seria manter tudo sob sigilo.

O coronel logo encontraria o lugar ideal para sua nova atividade, que teria de ser exercida na clandestinidade. Ele descobriu que poderia se encaixar num tipo de empresa que presta segurança para outras empresas, com homens e carros numa tarefa de risco. Afinal, quem melhor que um coronel PM para garantir proteção a uma atividade um tanto perigosa? Negócio fechado.

Na verdade, o coronel poderia desempenhar suas funções naquela empresa sem atrapalhar a jornada oficial na tropa do Estado. Ele nem precisava aparecer nesse novo local de trabalho; bastava aparecer uma vez ou outra, basicamente para dar ordens e confirmar o pagamento do seu salário. Os funcionários da empresa não gostavam nada do jeitão do colega clandestino, sempre arrogante.

O tempo passou, correram os meses e os anos, e tudo seguia numa tranquilidade quase tediosa. Vez por outra, alguém na empresa ameaçava romper com aquela esquisita relação trabalhista. Mas logo alguma voz ponderada alertava para a perigosa aventura que seria “perder a proteção” do coronel. O homem era uma autoridade. Melhor continuar com ele na folha do que ganhar um desafeto.

Até que um dia tudo mudou – porque um dia tudo sempre muda. A empresa que contratara o coronel, com um contrato de gaveta, digamos assim, mudou de mãos, foi vendida. Assim que a nova diretoria assumiu e tomou ciência das coisas, aquele funcionário foi visto como uma aberração, uma situação que teria de ser resolvida. O coronel resistiu, é claro, mas não teve mais jeito.

Demitido daquela empresa que atuava na segurança de outras empresas e no transporte de valores, o graduado PM teve de se conformar com a queda em seu orçamento. Mas não demorou muito para o destino lhe garantir mais um presente: viu seu talento receber o reconhecimento máximo, sendo promovido ao topo na carreira de Estado. No novo cargo, ficou mais poderoso – e até esbelto.

Moral da história: nunca acredite que um patriota de alta patente se aquieta com uma rotina trivial, se ele tem caminhos alternativos para turbinar seus horizontes. Era assim naquele tempo do coronel!

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