Futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro deu entrevista coletiva na tarde desta terça-feira. Ele falou por uma hora e quarenta e cinco minutos. Acompanhei ao vivo pela Globonews. O que chamou atenção foi que ao tratar de diferentes temas, Moro disse várias vezes que o presidente eleito Jair Bolsonaro é um homem “ponderado”, “moderado” e de “bom senso”. Vamos ver.

Bolsonaro tem quase trinta anos de mandato. Ao longo desse tempo, por incontáveis vezes ele defendeu a tortura como método de investigação. Como todos sabem – mas não custa lembrar –, tem como um de seus ídolos o coronel Carlos Brilhante Ustra, um notório torturador durante o regime militar. Com a mesma ligeireza, Jair Messias também exalta a ação de grupos de extermínio.

Para não esticar a lista de ideias obscenas do presidente eleito, vamos lembrar ainda que ele trata mulher como “vagabunda”, prefere ter um filho morto do que um herdeiro gay, acha que os quilombolas “não fazem nada” e o mais leve deles “pesa sete arrobas”. Na reta final da campanha, o ainda candidato disse que vai metralhar opositores – e quem não se enquadrar será exilado ou preso.

Com esse conjunto de iniquidades em sua ficha corrida de homem público, Bolsonaro é, segundo Moro, um sujeito moderado! É brincadeira ou safadeza mesmo? Na entrevista, o doutor foi questionado sobre essa amável avaliação que faz do futuro chefe. Aí, sempre assertivo para apontar erros nos outros, o magistrado afinou e defendeu o capitão da tortura. É tudo coisa do passado.

A verdade é que Sergio Moro aceitou integrar um governo chefiado por um extremista de pensamentos doentios, um reacionário de gestos típicos dos piores mequetrefes da política. Por mais que tente negar o óbvio, com sua patética parolagem em defesa de seu novo chefe, o ex-juiz jamais conseguirá apagar os fatos. O mais lógico a pensar é que os dois têm afinidades perigosas.

Enquanto isso, Bolsonaro esteve hoje no Congresso Nacional. Participou de uma solenidade festiva em homenagem aos trinta anos da Constituição. De novo, fez juras de amor ao Estado de Direito e à democracia. Por essas declarações, voltou a receber elogios de analistas pela imprensa. Em sua entrevista, Moro também despejou loas à Carta Magna. Uma gente que idolatra a lei e a diferença.

Até parece que seria natural e aceitável que autoridades viessem aos microfones atacar a Constituição e confessar desprezo à democracia. Ora, meu amigo, isso é conversa de bandoleiros. Bolsonaro, como está provado por seus gestos e palavras ao longo da vida, é um especialista em ofender justamente os valores básicos do Estado de Direito. E ele nunca sequer tentou disfarçar isso.

Mas vamos esperar pra ver. Para os convertidos à seita bolsonarista, Moro tem toda razão sobre o caráter e os princípios do presidente eleito. Devo estar sendo um pouco intolerante. Vai ver o capitão é um poço de moderação, respeita profundamente os direitos humanos e pretende avançar em políticas para a inclusão social. Parece que o herói togado da Lava Jato achou o parceiro ideal.