Patrioteiros, hino brazuca e Ministério da Família

04/11/2018 02:20 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

A depender da sua idade, isso não existia mais quando você começou a vida escolar. Somente os mais veteranos, como este blogueiro, tiveram a experiência de estudar a disciplina Educação Moral e Cívica. Essa presepada tornou-se obrigatória no regime militar após um decreto-lei de 1969, do governo do general Costa e Silva – o mesmo que jogou o país nas trevas com o famigerado AI-5.

A matéria tinha como único objetivo exaltar a ditadura, sob o argumento de nos ensinar lições de patriotismo. Ao mesmo tempo, os milicos trataram de banir Sociologia e Filosofia das escolas, áreas de conhecimento vistas como perigosas porque incentivavam o aluno a pensar. A lógica é de um casuísmo evidente, além da patetice que é essa conversa de exaltação dos “valores” da pátria.

Não lembro de nada que tenha sido ensinado nas aulas de EMC, certamente porque o conteúdo era tão inútil que os alunos passavam por aquilo com interesse zero. Coisa parecida havia com a disciplina de OSPB (Organização Social e Política Brasileira), que entrou na grade curricular do ensino superior, na formação dos universitários. No curso de Jornalismo, OSPB era motivo de piada.

(Um parêntese, em nome do rigor da análise e em respeito aos fatos. EMC e OSPB foram criadas antes do regime de 1964. A primeira, por Getúlio Vargas, e a segunda no governo de João Goulart. Mas só se tornaram obrigatórias, como disse, em 1969 – e aí assim voltadas para a ideia de patriotada. O objetivo primordial era, como hoje está na moda falar, a doutrinação dos alunos).

A chamada onda conservadora, ou de extrema direita, se você preferir, ressuscitou algumas marmotas deveras reacionárias. A volta da EMC nas escolas é uma dessas baboseiras que se alastram pelo país. O presidente eleito Jair Bolsonaro, com belos projetos pra educação, está disposto a tornar obrigatória, de novo, a presença dessa matéria pra garotada. Tudo a ver com ele.

Brasília se antecipou. No primeiro semestre deste ano, a Câmara Distrital aprovou lei que restaura EMC na grade curricular dos ensinos infantil e fundamental, nas redes pública e privada. O governador Rodrigo Rollemberg vetou o projeto, mas os deputados, muito patriotas, derrubaram o veto. Com isso, a partir de 2019, meninos e meninas brasilenses terão valiosas lições de amor ao país.

A velha disciplina caiu fora dos currículos em 1993, no governo Itamar Franco. Vinte e cinco anos depois, um dos defensores mais devotados do retorno ao passado é o ainda senador Magno Malta. Esse elemento diz sentir saudade dos tempos em que estudantes tinham de cantar o hino nacional antes de começar as aulas. E, de fato, esse é um ponto que faz parte do ensino de EMC.

Magno Malta – que tem cara, jeito e discurso de pilantra – é o candidato número um a comandar o Ministério da Família. Foi isso mesmo que você leu. Por razões semelhantes às da recriação de EMC, Bolsonaro pretende inaugurar o inacreditável ministério. Os cidadãos de bem estão vibrando.

É curioso. A turma que denuncia a “doutrinação de esquerda” pretende acabar com isso instituindo a doutrinação de direita. E essa mesma turma que denuncia a interferência do Estado na vida particular das pessoas planeja nada menos que ditar regras sobre a vida particular das famílias.

Que eu lembre, a cantoria do hino brazuca, nos tempos do finado Primeiro Grau, era a maior esculhambação. O pátio virava um grande circo. Faz sentido que o ritual retorne nessa comédia pastelão bolsonarista que sacode a nação. Vamos salvar a família cristã. Patrioteiros, uni-vos!

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