A imprensa alagoana fez um carnaval dos diabos com o caso de uma garota de 14 anos que saiu de casa e ficou desaparecida por dois dias. Na noite desta sexta-feira, vi na TV Gazeta uma reportagem sem pé nem cabeça, expondo a identidade da adolescente de maneira irresponsável. O vale-tudo por audiência atropela princípios básicos – profissionais e éticos. Bizarramente, polícia e Ministério Público deram uma contribuição e tanto ao espetáculo de desinformação e sensacionalismo.

O arremedo de jornalismo na TV não esclareceu nada, assim como as autoridades ouvidas na tal reportagem – que nem merece esse nome. Uma delegada e um promotor falaram basicamente que não sabem coisa nenhuma sobre o assunto. Mas especularam à vontade sobre o que teria ocorrido com a menina, com hipóteses alopradas, sem qualquer base factual. Um festival de lambança.

O fato de a própria família ter divulgado em redes sociais o desaparecimento, com uma foto da menina, não autoriza a imprensa ao abuso que considero ter ocorrido na abordagem televisiva. Se ela já voltou para casa, por que a TV põe no ar uma matéria com o nome completo da garota e exibe sua imagem? Do jeito que a coisa foi retratada, parecia até que ela teria cometido algum delito grave.

Menores de idade devem ser preservados, como está previsto na legislação. Também nos códigos do bom jornalismo isso é uma regra inviolável. Os programas policialescos já promovem, diariamente, as barbaridades que todos conhecemos, com o reiterado insulto a pessoas que vivem nas periferias, tratadas com desprezo por dublês de repórteres e histéricos apresentadores. Uma horda sem freios.

Como a TV Gazeta é a campeã de audiência, filiada à maior rede do país, o potencial de estragos de suas eventuais presepadas é ainda mais nocivo. Por isso mesmo, deveria tratar com mais cuidado a abordagem de temas controversos, sobretudo quando envolvem a participação de menores.

Mas o padrão está de acordo com as prioridades das afiliadas globais e demais emissoras de TV. No mesmo telejornal que expôs uma menina, sem qualquer justificativa para isso, vimos algo muito importante para Alagoas, aí sim tratado com bastante zelo: a exposição de vacas e cavalinhos.

E, fechando a edição do ALTV, o telejornal em questão, uma entrada ao vivo que deve ter demorado uns cinco minutos, dada a relevância do tema: o novo livro de culinária do intelectual Zeca Camargo, com receitas diretamente da Índia. Foi uma noite de brilho para nossa aguerrida imprensa.

Deve ser por essas e outras que o jornalismo investigativo anda cada vez mais intenso por aqui. Não me interessa o que cada veículo pensa sobre reportagem; e nem estou querendo ditar regras a ninguém. Mas – desculpem o mal jeito – certas marmotas, às vezes, afetam até nosso estômago.