Mas se além dos interesses econômicos, os negócios tivessem um significado social, algo relevante que contribua para a sociedade? As respostas para isto se encaixam no conceito de empreendedorismo social. Empresas estão aliando a busca por competitividade e lucro a ações que possam fazer a diferença no mundo. Além disso, há pessoas que doam seu tempo e dedicação para iniciativas sociais.

Uma ideia que surgiu durante uma aula na faculdade deu origem ao Hand Talk, aplicativo que traduz informações para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Em 2012, o projeto se concretizou e ganhou prêmios dentro e fora do País.

O analista de sistemas Carlos Wanderlan e os sócios Ronaldo Tenório e Thadeu Luz não entendiam muito de empreendedorismo social, mas tinham em mente que queriam criar um produto que pudesse criar um impacto positivo na sociedade. Assim, nasceu o Hugo, um simpático intérprete de Libras, que ajuda os surdos a terem a acesso a conteúdos antes limitados a este público.

 “O empreendedorismo social entra justamente como motor para que produtos e serviços de qualidade resolvam um problema da sociedade a um custo justo. No caso da Hand Talk, a comunidade surda e nossos usuários, por exemplo, não pagam para usar nenhum dos nossos produtos, nem no aplicativo nem o tradutor de sites, que são custeados pelo cliente que quer tornar o seu site acessível em Libras”, explicou Wanderlan.

Ele acrescenta que o conhecimento sobre a importância deste tipo de negócio surgiu com uma aceleradora de empresas de impacto social, a Artemísia. “Pudemos realmente entender toda essa relação, entender como funciona essa balança de impacto e retorno financeiro. Uma das frases da Artemísia diz: Entre ganhar dinheiro e mudar o mundo, fique com os dois. O retorno financeiro é importantíssimo para que a empresa se torne sustentável e que esse impacto seja propagado cada vez mais rápido a médio e longo prazo”, complementou.

Entre os clientes do Hand Talk estão a Magazine Luiza, Azul Linhas Aéreas, Banco BMG, Bradesco, Tim, Samsung, museus e órgãos públicos. “As empresas hoje estão muito mais conscientes dessa comunicação, que durante anos foi desconsiderada. Hoje temos clientes que realmente se preocupam com esse impacto”, finalizou Wanderlan.

Entre os prêmios conquistados pelo Hand Talk está o de melhor aplicativo social do mundo, concedido pela ONU, em Abu Dhabi.

Além de promover mudanças na sociedade, ajudar pessoas e obter retorno financeiro, as empresas com caráter social conseguem ainda agregar valores aos seus negócios. De acordo com o economista Rômulo Sales, é preciso foco aliado a muito planejamento das ações.

“O alvo deve ser na consecução de geração de valor tanto para a sociedade, que se beneficia de seus serviços, como para a si mesma. É possível sim a empresa social conseguir agregar mais valor nos seus negócios. Isso se dá no momento em que elas passam a utilizar novas formas de abordagens, ficando atentas a novas oportunidades de melhorias do seu entorno, promovendo assim soluções sustentáveis com impactos positivos na sociedade”, opinou o economista.

Levantamentos apontam o crescimento do número de negócios de impacto não somente no Brasil, mas no mundo todo. Trata-se de um perfil inserido às novas empresas, normalmente criadas por jovens – a exemplo de startups – que se diferenciam dos modelos tradicionais de gestão por aliar o lucro à contribuição com causas sociais. De acordo com dados contabilizados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), já são mais de 800 iniciativas de empreendedorismo neste formato no país. 

Os números em relação à movimentação financeira também chamam atenção. Segundo informações da Ande Brasil (Aspen Network of Development Entrepreneurs), que é uma rede de empreendedores de países em desenvolvimento, os negócios de impacto movimentam cerca de US$ 60 bilhões em nível global, com um aumento de 07% anualmente, em média. Dados da Ande mostram também que o Brasil foi o segundo maior mercado de empreendedorismo social da América Latina entre 2014 e 2015, período em que foram destinados US$ 1,3 bilhão em negócios de impacto. 

Mineira da cidade de Lavras, a estudante de Enfermagem Camila Mahalem Souza Silva, de 20 anos, mobilizou muita gente nas redes sociais quando lançou o Projeto Vovô Amigo. Com fotos dos idosos mostrando placas com o desejo de presentes, a universitária conseguiu atrair a atenção para os moradores do Lar São Francisco de Assis.

A vontade de ajudar e se tornar uma empreendedora social, mesmo sem retorno financeiro, surgiu após o falecimento da avó. “Ao sentir muita falta dela comecei a ir para abrigos de idosos fazendo visitas, levando carinho e atenção, procurando tirá-los da mesmice e monotonia de um abrigo e da vida do abandono indireto que lhes cerca”, contou Camila.

Sobre a repercussão que o projeto teve e a alegria proporcionada aos idosos, a estudante se surpreendeu. “Um dia conversando com os idosos eles me relataram que gostariam de alguns presentes, então eu resolvi fazer como já havia visto algumas vezes na internet, fotos dos idosos segurando plaquinhas com o pedido que desejavam. Fiz tudo na inocência, com medo de não conseguir tudo. Mas graças a Deus conseguimos muitas coisas e a festa da entrega dos presentes foi fantástica e inesquecível. Todos eles estão imensamente felizes com tudo”, relatou Camila.

Indagada se trocaria o trabalho voluntário que realiza no abrigo por um estágio remunerado, Camila é enfática ao falar sobre a experiência que vive no Lar São Francisco de Assis. "Quando me formar, pretendo atuar nessa área de especialização, na Gerontologia. Acredito que uma visão humanizada é o diferencial necessário com a população idosa”, frisou Camila.

De um evento íntimo à transformação de uma região. Assim pode ser basicamente resumida a história de ascensão que envolve a cidade de São Miguel dos Milagres e a Agência TJ Tamo Junto. Dirigida pelo empresário Maurício Vasconcelos, a empresa impulsionou o desenvolvimento socioeconômico da pacata vila de pescadores situada na Costa dos Corais do Litoral Norte de Alagoas, a 99 km da capital Maceió.

Tudo começou com uma festa de réveillon para amigos e familiares. O requinte e primor da organização chamaram a atenção e o que era uma coisa íntima foi se moldando para atender ao público externo. A comemoração restrita evoluiu e, em 2011, se transformou no consolidado Réveillon dos Milagres, uma criação da Tamo Junto assinada por Vasconcelos. Para que isso ocorresse, o empresário conta que houve um grande trabalho, incluindo a concepção da marca, capacitação profissional e estruturação da região com o abastecimento de água, energia elétrica e fornecimento de internet.  

Com o lançamento do réveillon em 2011, o paradisíaco lugar até então pouco conhecido se tornou destaque nacional e, ao longo dos anos, tem sido uma das regiões mais procuradas no Brasil para as festas de final de ano. Isso foi possível, pode-se dizer, em virtude do trabalho de empreendedorismo social realizado pela Tamo Junto para criar estrutura e mão de obra qualificada perante uma população que, em maior parte, sobrevivia basicamente da pesca, colheita de coco e de serviços prestados à prefeitura municipal.

“Quando a gente chegou a São Miguel dos Milagres, nosso objetivo era trabalhar com a verdade, transparência e sinceridade para que tivéssemos credibilidade. Trouxemos para os moradores a ideia de que não era caridade, filantropia, não era política. Chegamos para trabalhar em conjunto, com remuneração justa. Entendemos qual era a necessidade e, desde o início, investimos em um projeto social para valorizar estas pessoas. Realizamos diversas capacitações e cursos. Hoje, 85% dos nossos colaboradores são da região”, diz Vasconcelos.

Para fortalecer este trabalho de impacto social, a empresa criou em 2016 o Instituto Tamo Junto, que oferta capacitações e realizações ações sociais, de saúde e de preservação ao meio ambiente com a participação dos moradores da região, além de casamento coletivo. Por meio da iniciativa, segundo Vasconcelos, a população conta com mais de 10 cursos, cada um com 20 pessoas por turma.

“Tínhamos uma meta de que 20% dos participantes certificados conseguissem empregos em até 90 dias após o final de cada curso. Hoje já chegamos a 50% desta meta. Nosso objetivo com esta capacitação não é a Tamo Junto em si. Somos focados na rotina para suprir a necessidade por demandas de trabalho que há o ano inteiro”, acrescenta o empresário.

Questionado sobre o posicionamento de empresas alagoanas em negócios de impacto social, Maurício Vasconcelos avaliou que o investimento ainda é pouco explorado. “Muita gente reclama de mão de obra, de ambiente, de fatores externos. Tem muito trabalhador reclamando da empresa e muita empresa reclamando do trabalhador, mas ninguém sai do lugar. Se você precisa de um ambiente, é preciso criar. Não se deve apenas procurar quem é o problema, mas sim identificar quem tem capacidade para a solução. O empreendedorismo social não é obrigação. É opcional de cada empresa, mas, com base em experiência própria, digo que vale a pena investir. É uma forma de retribuir aquilo que recebemos”, completa.

Natural de Porto de Pedras, cidade vizinha de São Miguel dos Milagres, Maria Marta foi uma das pessoas beneficiadas pelo trabalho realizado pela Tamo Junto. Ela começou a prestar serviços à empresa no segundo réveillon, em 2012, como coordenadora da equipe de limpeza. Marta, de 33 anos, já desempenhava trabalhos sociais em associações da região voltadas ao turismo e ao meio ambiente. Hoje, é diretora do Instituto Tamo Junto e abriu também a própria empresa de serviços de limpeza, tornando-se então fornecedora do evento assinado por Maurício Vasconcelos.

 

Presidente do Instituto Tamo Junto, Maria Marta é uma das beneficiadas pelo empreendedorismo social. Foto: Cortesia/ TJ

 

“Comecei a trabalhar para a TJ em 2012 e, depois de quatro anos, recebi o convite de Maurício para dirigir o Instituto. Ele foi bem claro ao convidar: ‘não tenho nada, a não ser a vontade de transformar e correr atrás’. Aceitei o desafio e de lá para cá o crescimento foi um verdadeiro boom, a mudança foi da água pro vinho. A empresa transformou a região como uma das referência no turismo e em eventos, tudo isso como uma forma de retribuição. Já são mais de quatro mil pessoas beneficiadas direta ou indiretamente pela iniciativa”, diz Marta.

 

Casamento coletivo na Capela dos Milagres é uma das ações desenvolvidas anualmente pelo Instituto Tamo Junto. Foto: Cortesia/ TJ

 

A profissional ressalta que, a partir das capacitações, o reconhecimento e regularização profissional foram estabilizados. “Antes os empresários pagavam o que queriam, já que a mão de obra não era qualificada. Houve uma mudança de perfil. Com a valorização a partir da qualificação, os trabalhadores passaram a ter o seu valor e agora são remunerados adequadamente. A mudança também atingiu os empresários, que hoje reconhecem e respeitam os trabalhadores pelo que eles desempenham”, conclui a diretora.