De repente, todo mundo começa a falar em “voto útil”. É o que mais tenho lido e ouvido, nos últimos dias, sobre a corrida na eleição presidencial brasileira. Votar com essa ideia na cabeça significa abrir mão, no primeiro turno, do candidato da sua preferência porque, por algumas razões, você acredita que ele não tem chance de ganhar a parada quando chegar ao segundo turno.

Na verdade, a principal razão para que o eleitor tema desperdiçar sua escolha no dia 7 de outubro são as projeções divulgadas pelas pesquisas sobre o segundo turno. A coisa está pegando mais para a esquerda. Se o cara prefere Fernando Haddad ou Ciro Gomes, por exemplo, mas constata que, nas pesquisas, um deles tem mais chance de bater Jair Bolsonaro, isso pode ser decisivo na hora do voto.

Por essa lógica, o eleitor petista poderia abandonar Haddad em nome de Ciro, caso entendesse que o pedetista é mais forte para derrotar Bolsonaro. Por aí, mesmo com restrições ao ex-governador do Ceará, esse eleitor sabe que, em comparação com Bolsonaro, nada pode ser pior. Até agora, era mais ou menos isso o que estava ocorrendo. Mas os últimos levantamentos mudaram essa percepção.

Depois das últimas pesquisas, vimos que Haddad não apenas está no páreo para passar à segunda etapa da eleição, como pode vencer Bolsonaro lá adiante – ao contrário do que revelavam projeções anteriores. A tendência natural é que a candidatura do PT continue em crescimento, sobretudo após a confirmação de Haddad como o escolhido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. São os fatos.

Essa ideia de voto útil no primeiro turno da eleição presidencial não existiu nas disputas anteriores – salvo no remoto ano de 1989. Naquela época, assim como hoje, foi um dilema que assombrou o eleitorado no campo da esquerda. Lula e Leonel Brizola correram atrás desse voto de “utilidade”. Collor abriu vantagem e deixou a briga de foice para ver quem disputaria com ele o segundo turno.

Deu Lula, mas muita gente que não queria Collor presidente pregava o voto em Brizola, mesmo sendo lulista, por acreditar que o ex-governador do Rio teria mais chances de bater o ex-governador de Alagoas. Como o petista levou a melhor, jamais saberemos se a hipótese brizolista seria vitoriosa no segundo turno. Collor ganhou aquela eleição numa disputa acirrada, e o resto é História.

Nas eleições seguintes, a partir de 1994, essa ideia nunca mais reapareceu tão forte como se dá neste 2018. E a razão é simples: a disputa passou a ser dominada por PT e PSDB, com uma tediosa polarização entre tucanos e petistas. Um lado virou o principal – e praticamente exclusivo – adversário do outro. Alternativas até que surgiam, mas rapidamente eram engolidas pela dupla.

Três décadas depois, em decorrência do fenômeno Bolsonaro, cá estamos a debater a pertinência do tal voto útil. Não é dos melhores caminhos para a democracia, mas é o que temos. O debate deve aumentar ainda hoje, com nova pesquisa Datafolha a caminho. E este é somente um dos muitos aspectos a estremecer a campanha mais insana e imprevisível que já ocorreu no país. Ou quase isso.