O jornal O Estado de S. Paulo traz na edição deste domingo (26/08) reportagem especial sobre os 80 anos de Vidas Secas, umas das obras-primas do escritor Graciliano Ramos. Para mostrar como está hoje o universo do alagoano (e dos personagens do livro), repórteres percorreram municípios do Sertão e Agreste. Palmeira dos Índios, claro, é o destino principal no painel apresentado no Estadão.
Sobre a história do vaqueiro Fabiano, Sinhá Vitória, os dois filhos do casal, além da cachorra Baleia, não temos novidade nos depoimentos de especialistas ouvidos pelo jornal. Afinal, este é um dos monumentos da arte brasileira mais estudados ao longo das décadas. O melhor do material está na descrição da paisagem, ainda desolada, e no olhar sobre a rotina de famílias que vivem na região.
Há um lado desconfortável para autoridades alagoanas: a memória do gênio, que nasceu em Quebrangulo e administrou Palmeira, não é lá muito bem tratada por seus conterrâneos. A Casa Museu Graciliano Ramos, onde ele viveu, está fechada há um ano. A prefeitura diz que o prédio foi interditado para obras do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Sobre a gestão do museu, que nunca recebeu a devida atenção, o jornal ouviu Luiza Ramos Amado, de 87 anos, filha do escritor. Ela é enfática sobre o que pensa da situação: “Depende muito da política, de quem é o prefeito, se ele se interessa por literatura; e quase nunca é um interessado. Já até sugeri que fechassem e fizessem um museu na prefeitura, é uma questão difícil”. É a palavra da família.
A reportagem também chama atenção para uma discutível homenagem que o escritor recebeu, há alguns anos, com um busto instalado no trevo rodoviário de Palmeira, às margens da BR-316. “É horrível”, decreta Ivan Bezerra de Barros, jornalista, escritor e promotor de Justiça aposentado. Ele é autor de Graciliano Ramos Era Assim, uma biografia publicada em 1984, tida como uma referência.
Sobre o busto, diz o texto do Estadão: “Desde que existe, ele mais parece uma cabeça decapitada: inicia a partir da goela, ali no finalzinho do pescoço, e termina em um cocuruto proeminente”. A ideia foi do ex-prefeito Albérico Cordeiro, morto em 2010. Para fazer justiça, Cordeiro era um homem culto, reconhecido como o gestor que mais agiu pela preservação da memória de Graciliano.
Mesmo com a falta de cuidado com sua história, na terra em que viveu, o escritor está acima dessas firulas da burocracia oficial. Ocioso lembrar que sua obra está no topo do chamado cânone cultural brasileiro. Pessoalmente, de sua prosa de ficção prefiro São Bernardo a Vidas Secas. Fato é que nenhum outro gigante em nossa literatura foi tão radical na obsessiva reinvenção da linguagem.
Não tenha dúvida: ele detestaria a reportagem do Estadão e, com muito mais motivos, o texto que você está lendo agora. Detonaria, sobretudo, os períodos laudatórios e o manancial de adjetivos que tanto evitava. Escreveu de tudo: contos, romances, crônicas, memórias, resenhas... E tudo é magistral!