Sem querer, o presidenciável Jair Bolsonaro provocou um certo debate sobre o jornalismo e a grande imprensa brasileira. O falatório foi consequência da entrevista que ele deu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira. Segundo muita gente, os entrevistadores foram parciais e levaram a conversa para temas batidos. Digamos que o candidato deu um baile.
De fato, alguns dos jornalistas foram repetitivos e insistentes em questões já respondidas. Também houve, mais de uma vez, demonstração de pura rabugice contra as opiniões de Bolsonaro. Sobretudo na primeira meia-hora de programa, assuntos ligados à ditadura militar, tortura e homofobia dominaram a sabatina além da conta. Entrevistadores pecaram pela redundância.
Ricardo Lessa, o âncora que assumiu o Roda Viva em abril passado, após a saída de Augusto Nunes, tem sido um desastre. E assim foi mais uma vez com Bolsonaro. O mediador parece o tempo todo fora do ar, tropeça nas perguntas desde o começo e não consegue dar ritmo ao andamento do programa. Não é o caso, mas passa a impressão de que estamos vendo um principiante.
Já escrevi, várias vezes, o que penso da candidatura de Bolsonaro – o que sempre me rende alguns “elogios” de seus simpatizantes. Não é este o ponto aqui, claro. Quero falar dos jornalistas. Estavam lá estrelas dos maiores veículos: Folha, Estadão, O Globo, Veja e Valor Econômico. Em alguns textos sobre o programa, houve quem considerasse o desempenho do time até “pavoroso”.
Foi tanta pancadaria, que fui rever o programa antes de escrever o que você está lendo agora. (É para isso que serve o YouTube). Estou certo de que o resultado não foi essa desgraceira tão alardeada. Apesar de excessos e equívocos, é uma distorção dos fatos tratar a participação dos entrevistadores, incluindo o âncora, como um bloco completamente errado e sem variação de temas.
Em boa medida, parte das avaliações negativas está sob suspeita; ainda que tentem disfarçar, muitos dos que atacaram a bancada, na verdade, torcem por Bolsonaro, mas não confessam essa simpatia. Logo, as severas críticas perdem bastante em credibilidade. O que essas vozes supostamente rigorosas com a imprensa fizeram foi repetir a postura do candidato. Ele se sente “perseguido”.
Dos cinco profissionais convidados do programa, o realmente problemático foi o representante do Estadão. Sua ideia fixa eram os tais arquivos da ditadura. Acho que ele voltou umas seis ou sete vezes ao tema, sem qualquer noção de bom senso. E, insistindo nisso, fez o jogo do candidato. Esse tipo de pauta é a praia de Bolsonaro – tem posições já conhecidas e ele não esconde o que pensa.
Para a torcida do candidato, ele deu um baile, como escrevi lá no começo. É exagero. Não chegou a tanto, mas, sob sua lógica e a de seus aliados, foi esse o entendimento do público. A repercussão da entrevista expôs, sim, uma imprensa que comete falhas graves e precisa estar preparada diante de alguém que lidera a corrida eleitoral. Subestimá-lo é a via mais perigosa na hora da entrevista.
Na noite desta sexta-feira, encarei mais uma sabatina com Bolsonaro. Foram duas horas de conversa na Globonews. Para não variar, ele acabou gerando outro momento de tensão com a imprensa ao citar um editorial assinado por Roberto Marinho, em 1984, com elogios ao golpe de 64. A referência levou o Grupo Globo a divulgar uma nota de esclarecimento, lida no fim do programa.
No encontro com os jornalistas da Globonews, nenhuma surpresa sobre as ideias do candidato, nem sobre a forma como expressa seus pensamentos. Dizer que ele defende barbaridades é apenas – recorrendo ao velho lugar-comum – chover no molhado. A imprensa deve pegar no seu pé, como tem obrigação de fazer o mesmo com todos os demais presidenciáveis. Isso é jornalismo.