Dois dias atrás, o CADAMINUTO deu como manchete a seguinte notícia: “Publicado decreto que reduz carga tributária para setor sucroalcooleiro de Alagoas”. O governador Renan Filho justificou a medida dizendo que isso vai aumentar a arrecadação do Estado. Disse também que, com o decreto, haverá “a manutenção e a geração de milhares de postos de trabalho”.
De longe, não sei como se dá a feitiçaria de elevar a arrecadação ao mesmo tempo em que se abre mão de receita de ICMS. Achei curioso também que o anúncio não tenha recebido nenhuma crítica, sequer um questionamento de outros setores da economia, de sindicatos ou de vozes da imprensa alagoana. E olhe que estamos falando de algo delicadíssimo para os rumos de Alagoas.
Falo da tradição de socorro a usinas e usineiros. É a nossa “elite” de formação, os emblemáticos senhores de engenho, de ontem e de hoje. Eles perderam muita força, é verdade, mas o apetite pela grilagem sobre a coisa pública segue em níveis pantagruélicos. Com DNA autoritário, sua marca registrada, essa turma se habituou a mandar no estado como se fosse o terreiro de suas fazendas.
Sobre o novo decreto de isenção de ICMS, outro aspecto relevante, e ainda bem mais estranho, é a coincidência do calendário. A decisão de impacto nas finanças estaduais ocorre justamente à beira das eleições, com o atual governador tentando renovar o mandato. Vamos acreditar que, como disse, tudo não passe mesmo de uma inocente coincidência. Que venham os empregos.
O poder e a influência dos usineiros no processo eleitoral formam um capítulo crucial em nossa história. Lá no passado, quando eu andava ali pela paisagem dos canaviais, cortando estradas de terra entre Atalaia, Viçosa e Chã Preta, passando por Capela, Cajueiro e arredores, todos conheciam uma sentença fatal: “Quem vai ganhar a eleição é o candidato da usina”. Não dava outra.
E como os latifundiários e moedores de cana garantiam a vitória de seus candidatos? Na base da mais pura intimidação dos milhares de trabalhadores de suas empresas. Nos grandes pátios, reunia-se a multidão de cortadores e outros funcionários, e se anunciava a ordem: “Ou vocês votam em quem estamos apresentando, ou o emprego de todos aqui estará mais que ameaçado”.
E assim seria eleito mais um pau-mandado, um serviçal dos salões açucareiros. A equação se fechava com o escolhido governando como queriam seus patrocinadores. Se você pensou em algo como coronelismo, é exatamente essa a ideia que está na base de toda a engrenagem.
E hoje, ainda existem os nomes favoritos dos usineiros? Para quem será destinado o famoso voto de cabresto na região canavieira? Será que ainda ocorrem aquelas reuniões com os cortadores de cana, para obrigá-los a votar neste ou naquele? Ou os velhos métodos agora estão mais sofisticados?
Sim, o mundo mudou bastante desde aqueles tempos. E é certo que a decadência do setor já não permite mais o poder imperial sobre a vida e a morte de homens e mulheres. Mas os herdeiros dessa cultura estão por aí, arrogantes, agora com a maquiagem e o reboco de filhotes “liberais”.