O falso dilema da camisa amarela

13/06/2018 02:22 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Vocês devem ter lido por aí que muita gente se recusa a vestir a camisa amarela para torcer pela seleção na Copa da Rússia. A bola começa a rolar nesta quinta-feira. Já o Brasil, estreia no próximo domingo, dia 17. A torcida que rejeita o uniforme oficial diz que a peça virou símbolo máximo dos “patos”, aquela massa que foi às ruas para pedir a queda da então presidente Dilma Rousseff.

 

De fato, embora não faça parte de nenhuma igreja política, nem à esquerda nem à direita, reconheço que os engajados na Patolândia traduzem algum ideal próprio de uma piada grotesca. Sair por aí enrolado em bandeira e beijando uma peça de roupa não me parece um comportamento muito saudável. Apelar ao patriotismo sempre foi, em qualquer tempo, sinal de obscurantismo.

 

Mas torcer ou não torcer não é um caso de agora. Isso não é exclusividade dos tempos de Copa. Para um torcedor típico, desses que se exibem apaixonados por um time ou pela seleção, deve ser inexplicável que alguém se declare indiferente. Mais grave ainda, para quem vibra no êxtase da vitória ou cai no choro da derrota, é ver o sujeito torcer contra seu próprio país. Mas é natural.

 

E torcer contra não é algo ligado necessariamente a um protesto pela situação política de uma época. Também não significa menosprezo pelo futebol. Além de ver muitos jogos, acompanho com algum método o noticiário e os debates amalucados que atravessam a imprensa de ponta a ponta. Mas, ao longo do tempo, enquanto o interesse se fortalecia, a alma de torcedor foi se congelando.

 

Estrada afora, até o “time do coração” – que na verdade nunca me fez agir com fanatismo – virou vidraça. Estou mais pronto para o ataque do que para a defesa apaixonada. Vejo com certa estranheza marmanjos que perdem tempo brigando por seus times, trocando insultos ou apenas sacando piadas contra os adversários. É a parte mais sem graça nesse universo fantástico.

 

Tanto faz se, no Brasileirão, der Flamengo, Vasco, Corinthians ou Palmeiras. Ou qualquer outro. Ganhar e perder é o de menos. Espero a surpresa, o lance mais improvável, o triunfo do acaso. Hoje mesmo, vi na TV o São Paulo bater o Vitória por 3 a 0. No primeiro tempo, o meia são-paulino Nenê abriu o placar com uma obra de arte. Logo ele, um veterano que já foi vaiado por sua torcida.

 

A primeira Copa na memória é a de 1974. (Sou de antigamente). Em 1978, assisti, revoltado, ao juiz acabar o jogo com a bola em pleno ar depois da cobrança do escanteio que Zico completaria para o gol. Nunca houve um lance tresloucado como aquele. Em 1982, foi chocante ver a Itália eliminar a segunda maior seleção de todos os tempos – a primeira, claro, é a mitológica formação de 70.

 

É só um jogo de bola, dizem alguns, e é verdade. Mas futebol também é alta literatura. Eduardo Galeano, García Márquez, Albert Camus, Nelson Rodrigues. Tostão. Eis aí uma breve seleção de gênios que levam a banalidade desse jogo a dimensões do sublime. Da lista, Tostão é o único vivo. E é ele, disparadamente, o melhor texto na produção atual na imprensa brasileira.

 

Por fim, é obrigatório lembrar o incontornável: a experiência de ir ao estádio beira a epifania. Nem adianta explicar. Pensando e vivendo o futebol desse jeito, só posso entender como irrelevante o dilema de, por razões políticas, vestir ou não a camisa amarela. É apenas uma imensa tolice. Quem resume um drama existencial a esses termos, deixa claro que não entende o que está em jogo.

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