Propaganda do governo de Alagoas não tem Alagoas

12/06/2018 04:12 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Eu não sei quanto a vocês, mas para mim as coisas por aqui estão mudando. É mais ou menos com essas palavras que começa a mais nova peça publicitária do governo de Alagoas na TV. (Não uso aspas porque não decorei o texto ao pé da letra). E então vemos uma bonita jovem dirigindo um Jipe, deslizando sobre rodovias com asfalto em estado impecável. É uma produção digna de Projac.

 

Devo reconhecer que se trata de publicidade realmente original. Ao contrário do que aparece nos demais anúncios, não se vê uma obra grandiosa, uma maravilha de escola, nenhuma brilhosa viatura policial, nenhum modelo fantasiado de gente comum falando sobre as realizações incomparáveis do governo. Todo o filme se resume ao passeio da beldade guiando o rústico automóvel.

 

Imagens captadas por drones (é claro) mostram a moça cortando pontes e atravessando paisagens de lindos coqueirais. Lagoas e praias também pontuam o enredo milimetricamente esquadrinhado pela ciência do marketing oficial. Depois de uma mostra do território alagoano, a propaganda chega ao fim no alto de falésias, aparentemente no litoral norte dessa terra abençoada por Deus. Paraíso.

 

Fiquei imaginando como a equipe de propaganda chegou a essa inusitada ideia. Devem ter pensado mais ou menos o seguinte: vamos fugir do óbvio; vamos evitar o “mais do mesmo”; vamos surpreender essa ralé com um produto que somente um time cabeça como o nosso é capaz de produzir. O cara que pensou num Jipe, e não num carrinho da moda qualquer, é um caso à parte.

 

A invenção é tão peculiar, que mereceria uma análise mais erudita, a partir de teorias que passeiam entre a Semiótica e a Estética do Signo Visual. Mas ignoro as ferramentas valiosas para isso. Deixo tal missão para os doutores em Comunicação e Publicidade que esbanjam sabedoria em nossas universidades. Aqui, levo tudo a uma visão rasteira – até uma obra de arte.

 

Sim, porque o que sei é que, no governo estadual, a produção de anúncios é tratada como questão de alta cultura. E isso tem um preço. Mas, como estamos diante de uma prioridade absoluta, para vender o peixe, dinheiro não é problema. Prova disso é que a aventura da garota ao volante é atração nos intervalos do Jornal Nacional, do Fantástico e da novela das 21h. Horário nobre.

 

E a faixa do horário nobre, amigo, é o topo da tabela na Rede Globo. Ali, só aparece quem tem negócio, quem pode bancar trinta segundos a peso de ouro. E bota ouro nisso. Não estou dizendo que há alguma coisa errada com o investimento. É do jogo, digamos assim. O governo de Renan Filho não está inventando moda. Está apenas reproduzindo o velho padrão estabelecido desde sempre.

 

Suspeito que o marqueteiro responsável pela “arrojada” criação é fã dessas propagandas da Copa do Mundo. É uma escola. Está tudo de acordo com os manuais de agências badaladas: as imagens passam por tantos filtros, recebem tantos retoques, é tanta coisinha delicada, que a realidade simplesmente desaparece. E o que pretende ser sutil e despojado, vira um belo monstrengo.

 

Se, no fim das contas, toda publicidade forja um simulacro da vida real, a nova sacada marqueteira do governo alcança o paroxismo: a despudorada maquiagem apaga Alagoas da geografia alagoana. Favelas, violência, analfabetismo, nada disso existe por aqui. Nem o povo existe. O que se vê na tela é um filme de ficção. Até o velho Jipe perde o jeitão bruto, e parece coisa de efeito especial.  

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