Era uma vez uma multidão nas ruas. E não apenas num único lugar, mas um fenômeno que se espalhava por todas as regiões do país. Na cidade de São Paulo, onde a revolta se originou, a bandeira inicial daqueles protestos exigia a redução na tarifa de ônibus. Logo as reivindicações seriam ampliadas e todos começaram a gritar contra tudo. Até hoje, historiadores, sociólogos, filósofos e demais especialistas não se entendem quando chamados a elucidar o que aconteceu.

 

Foi em junho de 2013, cinco anos atrás. Nesse período, governos caíram pelo mundo afora, Donald Trump virou presidente dos Estados Unidos, o mistério do menino do Acre parou o Brasil, Marília Mendonça dominou a parada musical, a seleção tomou 7 a 1 da Alemanha, Dilma Rousseff foi deposta da Presidência e Lula foi parar na cadeia. Muita coisa cabe num intervalo de meia década. O brasileiro não para de se espantar com novidades que arrombam a festa e anunciam revoluções.

 

Quase no aniversário das manifestações de 2013, a frota nacional de caminhões parou no meio da estrada e, mais uma vez, o povo brasileiro viu a nação pegando fogo. Dessa vez, era uma categoria específica, indignada com o assalto perpetrado nas bombas de óleo diesel. Em nome de uma causa particular, ficamos sem gasolina, sem gás de cozinha, sem um bocado de produtos alimentícios e até sem remédio. O governo cedeu o que podia (e o que não podia) para restaurar a normalidade.

 

Os últimos dias de maio de 2018 não podem ser comparados ao levante de junho de 2013, é verdade. No entanto, os dois eventos guardam semelhança ao desafiarem os que pretendem explicar as coisas a partir de ideias consagradas. Basta uma olhada nos incontáveis textos publicados na imprensa: cada um atira numa direção. Também aqui ninguém se entende na hora de apontar protagonistas, vilões, vencedores e vencidos. Até uma palavra morta voltou do além: locaute.

 

Uma diferença marcante na greve das carretas, em relação às passeatas de 2013, é a ausência de mascarados. Que fim levou o black bloc? Os agentes da baderna e da quebradeira de hoje não esconderam o rosto, não se protegeram no anonimato. Os ataques a veículos e a intimidação a quem queria seguir viagem ocorreram à luz do dia, de cara limpa e, o mais relevante, tudo foi devidamente registrado pelo celular. Era preciso exibir as ações para afirmar a força da causa.

 

No mundo jurídico, informa o lugar-comum que, se não está nos autos, o fato não existe. Celular e Smartphone. WhatsApp. Rede social. Sem esse conjunto tecnológico, parece que nada mais é possível em nossas vidas – sequer a nossa própria existência. Por isso, de vez em quando, tenho dúvida se ainda estou aqui. (Mas isso é uma divagação fora do contexto. Deixemos de lado).

 

Protestar é um direito na democracia. Mas não parece que esteja acima do bem e do mal. Essencial mesmo é a liberdade individual, o livre exercício de discordar, de se mexer ou de ficar parado, a depender da vontade de cada um. Nunca houve uma mobilização como a dos caminhoneiros, dizem por aí. Não sei. Saímos do colapso como de outras vezes em que o imprevisível derrubou certezas.

 

Era uma vez os dias que correm. E, tão urgente quanto resolver os dilemas de nosso tempo, queremos entender suas origens e estabelecer previsões sobre o que nos espera logo ali. Mas podemos ficar tranquilos: tal operação não corre o menor perigo de chegar a bom termo. (Eu ia falar de acontecimentos concretos, mas desconfio que, no meio da estrada, mudei de rumo sem querer).