Jair Bolsonaro e Guilherme Boulos defendem posições antagônicas em política, mas concordam num ponto: a três por quatro eles atiram contra a imprensa. Alexandre Frota e Gregório Duvivier, dois intelectuais em alta no Brasil de hoje, são inimigos mortais sobre todos os assuntos, mas também estão juntinhos na raiva que destilam sobre o famigerado ofício do jornalista profissional.

 

A nova direita que pretende salvar o Brasil odeia o jornalismo. Para os seguidores do movimento, nas redações é tudo um bando de esquerdista que mal disfarça a preferência absoluta pelo PT. O Mídia Ninja e demais coletivos que produzem conteúdo militante (e progressista) desprezam as redações, formadas por um bando de reacionários que reproduzem os valores do neoliberalismo.

 

Na manifestação de coxinhas e nos seminários do MBL, a imprensa não pode entrar. Os repórteres que pretendem acompanhar os eventos certamente vão manipular os discursos e distorcer ideias, tudo para reproduzir preconceitos contra os jovens que não rezam na cartilha revolucionária. Na reunião de blogueiros progressistas, a imprensa é banida, porque nunca retrata a verdade dos fatos.   

 

Nas grandes passeatas, contra e a favor do impeachment de Dilma, sobrou pancada para equipes de reportagem dos mais variados veículos de comunicação. Ninguém suportava mais tanta mentira e manipulação, diziam os revoltados à esquerda e à direita. Protestos de sem-teto ou de policiais militares não têm simpatia nenhuma com jornalistas. O risco de agressão é permanente.

 

Para confirmar esse carinho todo, a greve dos caminhoneiros é o mais recente exemplo de como o brasileiro gosta da imprensa. São inúmeros episódios de hostilidade e até violência física contra profissionais, em diferentes partes do país. Parece haver uma atração fatal entre cidadãos indignados (com qualquer coisa) e um repórter, um fotógrafo, um cinegrafista. Piscou, e lá vem um pontapé.

 

Na Venezuela, Maduro herdou de Hugo Chávez a ojeriza pela imprensa. É o quarto poder a serviço do imperialismo e das forças do mal. Nos Estados Unidos, Trump gostaria de matar boa parte dos jornalistas, que nada fazem a não ser despejar mentiras para jogar a opinião pública contra o presidente americano. Também aqui, os inimigos se abraçam na aversão extrema pelo jornalismo.

 

Mas o meio da rua está longe de ser o único espaço hostil à imprensa. A repulsa a essa atividade também é cultivada, e muito, em ambientes mais sóbrios e até pretensamente requintados, como a universidade, por exemplo. Vá em qualquer debate ou seminário sobre comunicação, e você verá doutores explicando por A + B por que o jornalismo é um mal a ser combatido. O sentimento é geral.

 

Quando estava no primeiro ano do curso de Jornalismo da Ufal (há muito tempo), fui a uma palestra do renomado Muniz Sodré. Ele estava lançando um novo livro e foi à Casa da Comunicação falar para estudantes e profissionais da área. Assim que começou a palestra, o primeiro alvo de suas críticas ao mundo caiu justamente sobre a imprensa. Achei aquilo estranhíssimo.

 

Mas a plateia recebeu o ataque como uma boa piada, uma ironia merecida, e todos reagiram até com gargalhadas. Hoje, aquele episódio se encaixa à perfeição nessa análise pedestre que faço aqui. Professores de jornalismo detestam jornalismo. Vi isso muitas vezes ao longo da minha graduação. Os intelectuais da Ufal não têm o hábito de ler a imprensa. Estão ocupados com suas ideias.

 

Neste espaço critico com frequência escolhas e estilos da nossa imprensa. Porque o que não falta é coisa para criticar. Mas isso jamais será sinônimo de condenação sumária e desprezo pelo papel do jornalismo. Combato essa visão idiota e autoritária. Muito antes de pensar em ser jornalista, fui um leitor fascinado por esse mundo da informação, da notícia, da análise, da divergência, do texto.

 

Imprensa e liberdade são indissociáveis. Sem a primeira, a segunda deixa de existir. Mas parece que isso não passa pela cabeça de quem vive a pregar o extermínio do jornalismo, seja um caminhoneiro ou um PhD em bancas universitárias. A internet turbinou tal sentimento. Há até especialistas por essas bandas que veem mais relevância em memes do que em reportagens.

 

Se, bem ou mal, as democracias triunfaram mundo afora, isso certamente deve ser creditado, em boa medida, ao exercício livre da imprensa. É por isso que todos os regimes autoritários não vacilam em destruir veículos de comunicação e eliminar jornalistas. Agora, atacar voluntariamente esse pilar da civilização é um ato suicida de uma sociedade. É bem a cara de patriotas, à direita e à esquerda.