Acostumados nos últimos anos a uma crise atrás da outra, a novidade deste momento para os brasileiros é a consagração de uma palavra que explicaria, em parte, o descalabro em curso. Para o governo, somos vítimas de um locaute. O termo define a ação deliberada de empresários, que se valem de demandas legítimas de trabalhadores para alimentar uma greve. Tal prática é crime e, por isso, o governo anunciou que a Polícia Federal já pediu a prisão de alguns donos de empresas.
Em entrevista coletiva na manhã deste sábado, ministros confirmaram a investigação sobre a articulação criminosa, mas não revelaram nomes de suspeitos; não se sabe até agora quais seriam os alvos dos mandados de prisão. Nas redes sociais, alguns vídeos de lideranças do setor de transporte indicam, quando menos, o incentivo dos patrões à radicalização da greve. É algo que está longe de ser uma novidade na história do país. O difícil é levantar provas para demonstrar o delito.
Nas últimas décadas, umas das ofensivas mais destrambelhadas de autoridades contra homens de negócio foi durante o governo Sarney. Após congelamento de preços, em poucas semanas todo tipo de produto sumiu do mercado. Bem ao estilo daqueles tempos loucos – os anos 1980 –, diretores e gerentes de empresas foram presos; e até fazendas foram invadidas pela polícia para “resgatar” rebanhos bovinos e, assim, garantir o bife no almoço da população. A loucura voltou.
É claro que as circunstâncias eram outras – e o Brasil também era outro país. Também mudaram aspectos essenciais da economia, local e globalmente. Mas algumas coisas, como está evidente agora, não mudam nunca. Quando a farinha é pouca, meu pirão primeiro. Esse princípio de sobrevivência parece capaz de perpetrar qualquer ação por mais insana que venha a ser.
E olhe que estamos falando de gasolina para encher o tanque de um carro. Sim, porque ainda não vi nenhum ato de desespero por falta de produtos na feira ou no supermercado. Mas já podemos ver cenas de pancadaria entre muitos senhores para garantir alguns litros de combustível. Por essas imagens, até poderíamos pensar que os dias de hoje repetem a maluquice de 30 anos atrás.
A outra velharia nessa crise absurda, é claro, é a qualidade dos nossos políticos, de todos os lados, no governo e na oposição. Quando olhamos para o cenário geral, não resta dúvida de que avançamos pouco, ou quase nada. Pensando bem, ampliando o conceito e relativizando a semântica, o crime de locaute pode ser atribuído aos dois lados – à turma da política e a setores do empresariado. Vamos ver como resolverão a degradação combinada. Até agora erram todos, muito e mais um pouco.