Não sei quando começou, mas, de repente, parece que todos os editores de esporte na imprensa descobriram uma fórmula verbal mágica para classificar um feito não muito comum numa partida de futebol: três gols de um mesmo jogador. Um belo dia, algum jornalista antenado com as novidades sapecou o tal do hat trick. Foi a danação. O vírus contaminou todas as redações do planeta.

 

Nós, é claro, enfiamos o pé na jaca e passamos a macaquear a expressão – uma das maiores idiotices que já vi desde que acompanho futebol e leio notícias sobre o jogo de bola. Fui procurar informações sobre a origem do troço, e não entendi até agora por que todo redator hoje em dia não vive sem o seu hat trick particular. Pela adesão unânime, deve ser uma regra obrigatória.

 

Semanas atrás, algum atacante do CRB marcou três vezes durante um desses duelos mortais no gramado, e cá estava, nas manchetes alagoanas, a nova expressão que seduziu repórteres, comentaristas e narradores. Já não bastava o gol contra de pedir música no Fantástico, agora sou obrigado a ler, sobre o resultado do jogo, textos que não podem dispensar essa presepada.

 

E se o cara marcar não três, mas quatro ou cinco gols, como é que fica? É possível, afinal, você sabe, o futebol é aquela caixinha... Jesus de Belém! É por essas e outras que nós, os jornalistas, não temos jeito mesmo. E ainda queremos posar de a turma do senso crítico, donos de uma consciência afiada, sempre com a faca nos dentes, para enquadrar os alienados, os desinformados, a gentalha.

 

Como? Reproduzindo feito papagaio qualquer marmota, venha de onde vier, como se fosse a última das maravilhas da linguagem? Não dá, galera. Este é o país dos geraldinos, da bola na gaveta, do tirambaço do meio de campo, do centroavante trombador, do escanteio de mangas curtas, do juiz ladrão. Há toda uma longa história, uma vasta tradição em jogo, entende?

 

Lembro quando o verbo “detonar” entrou na moda, lá nos anos 90, e foi bater na escalada, ou seja, na abertura do Jornal Nacional. Ficou tão manjado que, um dia, na TV Gazeta, baixou um fax da Globo revogando a expressão. A partir daquele momento, ficava proibido o uso do termo nas reportagens. Como já escrevi aqui, tudo, tudo mesmo, está condenado a virar lugar-comum.   

 

Essa novidade, que descobri há pouco, já é uma velharia completamente sem sentido. Se você escreve isso, está somente pensando no piloto automático – o que é a morte na arte de escrever. Fico imaginando o que Nelson Rodrigues diria sobre esse atentado à linguagem e ao futebol. Peço aos colegas das editorias de esporte que repensem a vida. Deixemos a retranca e vamos ao ataque.

 

Pensar e escrever são duas atividades que formam uma tabelinha virtualmente infernal. Muitas vezes, o resultado pode se traduzir numa jogada imprevisível. E é verdade que, a qualquer momento, o esquema tático pode ser destruído num lance que parecia perdido. Mas é vencer ou vencer. Como dizia Jardel, o artilheiro-pensador do Grêmio, clássico é clássico – e vice-versa.