O ministro Gilmar Mendes mandou soltar mais um preso acusado em alguma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público. Qual é a reação imediata? Não me diga que você comete mais uma piada, fazendo pose de indignado e compartilhando sua criativa ironia. Cara, isso também já virou um clichê dos infernos. É mais fácil, eu sei, mas esse automatismo das ideias é tudo, menos criativo.
Se tem algo que sinaliza a falência do pensamento é o adesismo geral, a unanimidade, a diluição de um ponto de vista. É por isso que certos manuais e cartilhas fazem tanto sucesso. Repetindo o que todos repetem, agradamos à maioria, ficamos livres de pensar por conta própria e evitamos problemas indesejáveis. Reproduzimos qualquer besteira como se fosse uma relíquia filosófica.
Sem querer magoar os mais sensíveis, além de alguma pitada de burrice, há nas piadas contra o ministro do STF uma perigosa tese sobre o sentido de justiça. Então quer dizer que todo mundo é culpado por antecipação e, mesmo em fase de investigação preliminar, o suspeito já é um meliante desgraçado que deve mofar na cadeia? Acusou, prende e acabou-se? É um raciocínio de doido.
Presunção de inocência e respeito à Constituição agora são motivos de chacota. Como é fácil nos convencer a botar nossa própria cabeça na guilhotina! Ironia mesmo é que esse modo de ver as coisas arrasta o intelectual de prestígio e o celerado militarista das redes sociais. Um dos sinais de que estamos diante de algo tresloucado é que Gilmar Mendes unifica a esquerda e a direita na piada.
O que importa é saber quais as razões que levam um suspeito à prisão e, depois, por que motivos um juiz decide mantê-lo encarcerado ou libertá-lo. Aí você diz o que pensa sobre a decisão do magistrado. Mas isso é chato, né, e dá uma canseira. Bom mesmo é aderir à palavra de ordem: mete no camburão e joga na masmorra. Por isso, lamento, não embarco nesse carnaval.
Sei que é uma guerra perdida. Colunistas da Veja esculhambam Gilmar Mendes. E também os da Folha, do El Pais, da Carta Capital, do MBL, do Brasil 247, do Mídia Ninja, e também os militantes da nova política (à esquerda e à direita). A ideologia de todo mundo se harmoniza no ódio ao pior juiz do planeta. Eu acho toda essa revolta organizada o retrato de um tempo melancólico. E sem graça.
Insisto em dois pontos. Primeiro, se eu fosse você, desistia de tentar ser engraçadinho após mais um habeas corpus do Gilmar – porque não cola mais, bicho, virou lugar-comum, e isso é trágico, acredite. Segundo: essa torcida fanática por cadeia, num desejo irracional de vingança, não mira apenas um único alvo, acerta em todos nós. É um incentivo à violação dos direitos intocáveis do indivíduo.
Por isso, estou na contramão da comedia que tenta sequestrar a razão e o respeito ao Estado de Direito. Ainda que isso signifique defender o inimigo número um do Brasil pensante – o ministro Gilmar. E ainda que acabe sendo, eu mesmo, alvo de sua refinada ironia. Guerra perdida é comigo.