O dia em que uma promotora rejeitou homenagem de vereadores

18/05/2018 00:08 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Quem não quer ser homenageado com uma comenda, uma medalha, um título de cidadão honorário, essas coisas? O senso comum dirá que todo mundo gostaria, sim, de ver seu nome numa lista de agraciados por alguma honraria. Diria até que são troféus cobiçados. A fonte dessas homenagens geralmente são os governos (nas três esferas) e as casas legislativas pelo país afora.

 

Assembleias Legislativas, Câmaras e Poder Executivo entregam títulos periodicamente, o que revela que há uma demanda permanente na praça. Logo, a oferta trata de contemplar a multidão de candidatos. Aqui mesmo em Alagoas, se você pensar um pouco, vai lembrar de milhares de ocasiões em que uma fileira de personalidades recebeu as mais diferentes comendas.

 

O mais tradicional, digamos assim, talvez seja o título de cidadão honorário de uma cidade ou de um estado. Mas a coisa é um tanto avacalhada. Em outubro do ano passado, por exemplo, os vereadores de Maceió acharam por bem homenagear o arrivista João Doria com o diploma de cidadão honorário de nossa capital. Uma iniciativa demagógica e eleitoreira. E só.

 

A farra com as homenagens desse tipo, algumas vezes, também serve para amansar agentes públicos cuja missão é justamente fiscalizar o poder político. Toda vez que vejo delegados, promotores ou juízes recebendo salamaleques em palácios, gabinetes e plenários, penso que há algo inadequado, fora do lugar. O dinheiro não é a única moeda de troca nos guichês da corrupção.

 

Por isso, acompanhando a vida pública ao longo dos meus anos de trabalho na imprensa, um dos momentos mais marcantes que testemunhei foi o gesto – raro e exemplar – de uma mulher admirável. Refiro-me à promotora de justiça Fernanda Moreira. Um quadro que honra o Ministério Público Estadual, ela rejeitou uma homenagem da Câmara Municipal de Maceió.

 

Foi em agosto de 2010. No dia 13 daquele mês, uma sessão especial entregaria a Comenda Pontes de Miranda a nomes de destaque do mundo jurídico, segundo informava o parlamento. Vejam a coincidência: por uma ação da promotora, naquela época o MP cobrava dos vereadores a devolução da famigerada verba de gabinete, uma consagrada rubrica para gastança sem nenhum controle.

 

Em ofício à Câmara, a promotora agradecia a gentileza, mas esclarecia que seu trabalho no MP era tão somente uma obrigação como servidora pública. Sendo assim, acrescentava, não havia razão para aceitar tal distinção. Como editor-chefe da Gazeta na ocasião, recebi apelos para dar a notícia sem destaque – os vereadores estavam magoados. Fiz o contrário, como está registrado no jornal.

 

Os fatos têm me levado aqui a duras críticas ao MP e ao Judiciário. Com uma frequência assustadora, alguns de seus integrantes agem muito mais em função de interesses pessoais e políticos, em detrimento das demandas da sociedade. Nesses casos, a vaidade e a sanha pelo poder desprezam até os princípios elementares de conduta, numa perversa distorção dos valores institucionais.  

  

Mas sei que há gente séria, que atua com firmeza e sobriedade no cumprimento do dever sagrado. É o caso da promotora Fernanda Moreira. Seu histórico no MP deveria servir de parâmetro, não apenas a seus pares, mas para todos nós. Sua postura atesta que ninguém precisa de holofotes, bajulação ou truculência para se destacar. Se ela fosse a regra, as instituições estariam muito melhores.

 

Aquele gesto, individual e inesperado, quase oito anos atrás, é um emblema de como devemos nos orientar no meio do furacão. Esclareço que não conheço a promotora pessoalmente. Escrevo tudo isso como registro de algo que marcou minha irrelevante experiência no exercício diário do jornalismo. E porque é sempre saudável, além da crítica, celebrar quem faz a coisa certa.

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